Vivemos anos terríveis da Troika. Privatizaram-se e destruíram-se serviços públicos. Atacaram-se os direitos de quem trabalha. O maior instrumento político foi o Orçamento do Estado que previu cortes imensos, orçamento após orçamento. Sendo assim, voltar a dotar o Estado da capacidade de assegurar melhores serviços públicos e condições de trabalho devia ser o objetivo principal de um qualquer Orçamento do Estado com pretensões a ser justo e de esquerda. Pois. Mas não é a opção do PS.
Como se lê no comunicado da CGTP, este orçamento tem propostas “ridículas e insultuosas”. O PS por vontade própria apresenta um orçamento que perpetua um subfinanciamento das instituições públicas, um nível de investimento ridículo enquanto somos os melhores pagadores dos agiotas que especularam com a nossa dívida pública e os melhores financiadores dos desvarios da banca e de privados. O texto que se segue não é técnico, é político! Os indicadores servem apenas para ilustrar como todos anos nos é sucessivamente retirado o direito a ter um estado digno e que preste serviços em condições.
Mas vamos por partes. O Orçamento do Estado é o instrumento que define os meios para os serviços públicos funcionarem ao longo do ano e para o Estado intervir na economia. É um documento gigantesco com centenas ou milhares de rubricas específicas e que depois de ser votado na generalidade pode ser sujeito a alterações na especialidade. Centenas foram feitas e melhorias ou recuos aconteceram seguramente. Mas é incortonável olhar para opção global que está em causa. E aí as perguntas que se devem colocar são: – Qual o peso do investimento público no PIB ou o peso da despesa pública?
Está o Estado a ser justo na distribuição da despesa que é fundamental para se prestarem serviços de qualidade à generalidade dos portugueses e que estão constitucionalmente consagrados?
Novo hospital do Seixal, Urgências Pediátricas no Garcia da Orta, escolas com paredes e tetos a cair, obras no IP3, nova maternidade em Coimbra, linha do Norte saturada, centros de saúde em locais provisórios, escolas com amianto? Uma opção política que resulta de termos o investimento público mais baixo desde o 25 de Abril. Foi assim durante e é assim também depois da Troika e assim vai continuar por vontade do PS. Entretanto, o tempo passa e estamos até abaixo do que é considerado o nível mínimo de investimento que é necessário para simplesmente manter a infraestrutura. Esta é a marca do PS e do seu orçamento.
Gráfico 1 – Evolução do investimento público em % do PIB
Por outro lado, falta de reagentes em laboratórios e de medicamentos em hospitais? Faltam peças e utensílios em oficinas? Serviços públicos sem o fornecimento normal que era necessário simplesmente para funcionar? Trabalhadores da função pública com aumentos miseráveis e um conjunto de trabalhadores que continuam à espera para deixar de ser precários e ter um contrato com o Estado. Claro.
Porquê? Porque os níveis de despesa pública foram cortados brutalmente no tempo da Troika e pouco evoluíram desde aí. Esta é a vontade do PS.
Gráfico 2 – Despesa pública corrente (descontada de juros da divida publica) em % do PIB
A par disto, uma das principais rubricas da despesa total do orçamento, se o dividirmos por ministérios, continua a ser o ministério da dívida pública, ou seja, o que pagamos em juros. Este valor continua a representar uma enormidade de dinheiro que todos os anos é retirado dos portugueses e grosso modo “oferecido” a agiotas estrangeiros. É o terceiro maior ministério e corresponde a metade da totalidade do que é gasto nos ministérios da saúde ou da educação. Esta rubrica tem sido aliviada nos últimos anos muito por culpa da situação internacional e dos juros baixos, mas a exigência de uma renegociação da dívida continua a ter atualidade. A dívida pública baixou apenas alguns pontos em percentagem do PIB e este “machado” continuará pelas nossas cabeças a este ritmo pelo menos por mais 30 anos.
Aqui impõe-se uma pausa. A economia cresceu, pagamos menos juros, então porque é que não voltamos a valores de investimento e despesas públicas do período pré-Troika (pelo menos…). Pois é… É que a opção do PS é não avançar. Enquanto se fala de um défice que pode ser zero, na verdade o nosso défice primário (diferença entre impostos e despesas do estado antes de pagar os juros da dívida) está entre os mais altos da Europa. O nosso excedente não vão ser os 0.1% ou 0.05% que se falam nas notícias. Vão ser cerca de 3% do PIB. Entre 6 a 7 mil milhões de euros. E é persistentemente positivo… Para pagar uma dívida impagável??? Este é o maior custo de um Orçamento com marca do PS.
Gráfico 3 – Saldo primário das contas públicas portuguesas em % do PIB
São estes os contornos gerais do Orçamento do Estado. De uma opção de classe clara e indesmentível. Por isso se saúda todos os que lutaram e fizeram greve na última sexta-feira. Um orçamento que não avança e adia o que precisa ser feito à medida que o tempo passa, é um orçamento que recua. Mas isto não deve ser surpresa. O PS sempre foi mais veloz a defender o discurso europeu ou a socorrer bancos e até a preferir baixar impostos do que ter serviços públicos dignos que são de todos e para todos. Deve ser claro, para se estar do lado das forças democráticas e progressistas também é preciso ter orçamentos drasticamente diferentes dos piores que este país já viu. Sublinhe-se que os ditames impostos cá e lá, seja em nome da estabilidade ou do défice, não podem ser a areia atirada para os olhos de quem quer um país diferente. Vamos à luta! Por outro orçamento!
* Autor Convidado
João Pedro Ferreira
5 Fevereiro, 2020 às
«O texto que se segue não é técnico, é político!»
Estando tecnicamente falido, que ninguém me negue o direito de falar como se estivesse bem de vida!
5 Fevereiro, 2020 às
Zé Rabo!