A que sabe o pão que comes?

Nacional

Quando um projecto musical denominado “Zeca Sempre” decidiu censurar a merda a que sabia o pão que o Zeca cantou confesso que fiquei pasmado com a ousadia. Não é comum que sejamos ousados a este ponto; homenagear alguém fazendo precisamente aquilo contra o que o alvo do tributo sempre se bateu.

Antes da conquista da democracia, o Zeca cantava pela liberdade e cantava sem medo, pelo direito à informação, à cultura, ao ensino, à saúde, à justiça, à vida. Hoje, tudo isso volta a estar em causa, num tempo historicamente tão curto que com certeza não será fácil, daqui a 500 anos, explicar o que aconteceu por cá nos últimos 100. Nós, colectivamente, podemos ter um lugar na História e mudar o rumo do que nos rodeia. Talvez seja preciso batermos mesmo no fundo, até que o pão que comemos saiba a merda outra vez. Não sei, confesso. Mas sei que podemos e que cada acto eleitoral é, juntamente com a luta diária que travamos, uma forma de procurar inverter o rumo do que nos rodeia.

Não é fácil mas é possível. Mesmo com todas as mentiras que todos os dias nos enfiam pela goela abaixo. Hoje mesmo, um daqueles jornais especializados em economia nos diz o que vai mudar com a saída da troika. Mentindo, portanto, com todas as letras, as que escrevo aqui e as que fazem aquela manchete. Portugal vai ser seguido de perto pelas entidades ocupantes que têm servido de guarda-chuva aos subscritores do memorando para acabarem com tudo o que são conquistas democráticas.

Hoje mesmo, o JN também faz manchete com o facto de os milionários portugueses terem aumentado as suas fortunas em mil milhões no ano de 2013. Emigraram 200.000 pessoas segundo o Público. A mulher do Presidente da República acha normal e que foi sempre assim. O desemprego está em máximos inimagináveis, mesmo com todas as formas de maquilhamento dos números usados pelo IEFP e pelo INE. As exportações caíram também à custa daquilo que crescem: produtos refinados derivados do petróleo. E nós com tanto petróleo, pelo menos no Beato, tomando como boas as palavras de Raul Solnado. No dia das eleições o governo estará em campanha.

Entre a aliança dos tão selectos Nuno Melo e Paulo Rangel, que bonito foi o episódio da garrafa, e a Mudança do PS, com Assis à cabeça, o mais faltoso e menos trabalhador de todos os candidatos com representação no Parlamento Europeu, está a escolha entre a austeridade de Merkel e a austeridade de Hollande, personagem que desapareceu subitamente do discurso do PS. Entre as selfies de Seguro e a dieta de Rangel, a malta vai-se entretendo. Mesmo que os três partidos que representam as duas figuras tenham votado de forma igual duas em cada três vezes no Parlamento Europeu.

Depois disto tudo, vais continuar a deixar que decidam por ti? A que sabe o pão que comes?