“A TAP vale o que derem por ela!”

Nacional

Tal afirmação pertence a Sérgio Silva Monteiro e poderia passar despercebida na alarvidade discursiva da cartilha neoliberal dominante na nossa sociedade (juntamente com afirmações idênticas sobre a “venda” do Novo Banco por Stock da Cunha) não fosse este senhor o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações. Não entrando na eficácia desta maravilhosa técnica de vendas (só imagino os compradores a esfregarem as mãos de contentes!) assunto sobre o qual pouco me interesso, não deixo de ler na afirmação o lema da economia política vigente do actual governo.

Uma empresa como a TAP demora anos a construir. Representa milhões de horas de trabalho de milhares de trabalhadores que diariamente empregaram o seu tempo na criação de valor. Representa conhecimento expresso na qualificação e especialização destes trabalhadores que se contam entre os melhores do mundo na sua área. Por sua vez é constituída por um conjunto de edificações e maquinaria de elevada complexidade onde a história se repete, fruto do trabalho de outros tantos trabalhadores. Representa anos de uma política pública de investimento no transporte aéreo, onde se pensou nas vantagens geográficas e onde se procurou combater as desvantagens. Representa o sistema sanguíneo de uma comunidade já unida pela língua e um povo que não quer estar isolado.

O pensamento que olha para este valor e o arrasa substituindo-o por outro definido por leis de mercado erráticas e obscuras é o pensamento que nos tenta convencer que o preço é definido pelo interesse de alguns e que é este que traduz o verdadeiro do valor das coisas. Os exemplos são já bastantes para dessensibilizar os mais atentos ao ridículo que nos rodeia. Como o Novo Banco que vai ser “vendido” pelo Estado numa operação a que “antigamente” se chamaria privatização! Mas isso poderia desmascarar a origem do dinheiro usado para a sua capitalização, 3.9 mil milhões de euros, públicos até ao último cêntimo numa operação que nos convenceram não ser uma nacionalização. Mesmo no domínio privado a tónica é a mesma, se um dia a PT vale muito, no dia seguinte (para não dizer na hora seguinte!) já não vale nada. Como se o património de uma empresa fosse na realidade a avaliação e o preço que um qualquer investidor está disposto a pagar por este. Pelo caminho, estas desvalorizações financeiras súbitas arrastam para a miséria milhares de trabalhadores, cujo trabalho, único e verdadeiro, motivo acrescentador de valor é branqueado enquanto tal!

Os apetites financeiros de mercados que pouco ou nada têm de relações com a economia dita real abrem caminho à especulação de tudo o que possa ter uma cotação em acções ou obrigações. As apostas sobre estes preços, a sua subida ou a sua descida, decidem diariamente o valor de mercado de praticamente tudo, desde o cereal alimentar mais básico ao preço dos diamantes. Pelo caminho, conceitos como o valor de uso, de troca ou valor-trabalho são esbatidos pela economia de casino que só serve alguns e que leva à miséria a tantos.

Assim é este governo PSD/CDS recordista do esbulho do património público. Prova disso foi a rápida alienação da participação na CIMPOR (em minutos e sem sequer se discutir o preço!), o cobro das Golden Shares na PT, EDP e Galp (todas mal foram empossados e sem qualquer contrapartida!), privatizações parciais da EDP e da REN, venda de posições da CGD na PT e da totalidade da Caixa Seguros, privatização da ANA (pela competitividade apesar dos preços das taxas aeroportuárias não pararem de aumentar!), do BPN onde se enterraram mais de 600 milhões de euros para de seguida se vender por 40 milhões de euros (e como se não bastasse, contrapartidas do contrato de venda já garantiram ao comprador uma soma superior, dando novo alento ao ditado de “pago-te para ficares com ele”), os CTT empresa de elevado interesse público e de alta rentabilidade e agora a TAP por alguns trocos que tenho a certeza serão todos devolvidos no futuro em alguma cláusula obscura de um contrato a que ninguém teve acesso. Em breve, nem podia ser de outra forma, a vez do Novo Banco, mesmo que isso implique perdas para o Erário público e concentração da operação em mega estruturas que sabemos serem perigosas para a economia e garantirem controlo monopolista da actividade.

O processo é sempre o mesmo e está a vista de todos. O abandono do investimento nas companhias e o uso de má gestão para a sua degradação e se isso não for suficiente uma forte campanha pública de mentiras, sempre com o intuito de desvalorizar ao máximo o interesse que um sector industrial forte tem para o Estado. Por fim, quando as companhias estão finalmente fragilizadas vendê-las ao desbarato e ainda acrescentar no final do dia a tranquilidade e consciência limpa.

O que este governo esconde é que estas empresas não são dele. A sua legitimidade para estas alienações é nula. No dia em que nos voltarmos a lembrar que só o património público é que é de todos e a todos serve é que a economia avançará. No dia em que percebermos isto acaba-se a impunidade.

* Autor Convidado
Tiago Domingues