A Ucrânia dividida

Internacional

Infelizmente para a Ucrânia e para a Paz, tudo parece apontar para mais um acordo fracassado. A paz não é do interesse daqueles que fazem da guerra o viveiro natural das suas actividades criminosas. Também não é do interesse daqueles que não se pouparão a esforços no sentido de integrar a Ucrânia na esfera político-militar da NATO. As declarações do dirigente fascista Dmytro Yarosh poucas horas depois de anunciado o segundo acordo de Minsk serão olimpicamente ignoradas pela narrativa já montada em torno do eventual (e provável) fracasso do cessar fogo. Notícias publicadas pela imprensa nacional e internacional demonstram-no com clareza: União Europeia e Estados Unidos aguardam apenas um pretexto para intensificar as sanções à Rússia [1] e para dar o passo decisivo no mais perigoso dos sentidos nesta guerra – a intensificação das relações entre a Ucrânia e o aparelho militar da NATO. Mikheil Saakachvili, ex-presidente da Geórgia com ligações conhecidas a Washington, assume neste processo como figura de proa.

No terreno as populações das regiões de Donetsk e Lugansk continuam a sofrer os efeitos dos bombardeamentos, das privações materiais severas – faltam água, luz, medicamentos, material de primeira necessidade nos serviços de saúde. E as possibilidades reais de uma futura reintegração de Lugansk e Donetsk na Ucrânia tornam-se cada vez mais remotas.

Os acontecimentos de Kiev foram há um ano, mas o país permanece tão dividido como no passado. A expressão dessa divisão é que é outra, determinada sobretudo pelas provocações que desde a primeira hora a junta de Kiev lançou sobre os milhões de ucranianos que recusam deixar de falar russo, abater os monumentos a Lénine e aos heróis – russos, bielorussos, ucranianos, chechenos, cazaques… – da Grande Guerra Patriótica 41-45 e iniciar um processo de integração do país na esfera de influência da Alemanha, um sonho antigo da oligarquia industrial e financeira germânica.

Uma análise dos resultados eleitorais das presidenciais de 2010, por exemplo, ou das eleições gerais de 2012 (antes da ilegalização do PCU e do Partido das Regiões em vastas zonas do ocidente do país), dão-nos uma imagem por ventura simplista, mas ainda assim real, da forma como o derrube violento e ilegal da Rada e do presidente eleito, bem como as leis sobre a utilização da língua russa aprovadas pela nova Rada pós-Maidan, poderão ter sido sentidos pelos ucranianos do sudeste do país, a maior parte dos quais mantendo laços profundos com a Rússia, com os russos e a sua língua.

Se somarmos os votos do Partido Comunista da Ucrânia e do Partido das Regiões em Lugansk e em Donetsk nas eleições de 2012 obteremos sem dificuldade percentagens superiores a 80%. Cenário semelhante passava-se na Crimeia, incluíndo no círculo de Sevastopol, onde os comunistas dispunham de uma votação na casa dos 30%.

Os acontecimentos de Kiev determinaram uma alteração radical da situação política no país, facto que foi sentido como uma ameaça pelo povo do sudeste ucraniano, onde por via de referendo de autodeterminação se verificou primeiro a secessão da Crimeia e, mais tarde, a declaração da independência de parte das regiões de Lugansk e Donetsk. A intervenção da Rússia neste processo não é um elemento lateral nem desprezível, mas não tem a centralidade que a narrativa da NATO lhe confere. Ignorá-lo é um erro. Ignorá-lo de propósito é má fé.

A Ucrânia não foi dividida por acção de russos disfarçados de ucranianos, não tão pouco pelo radicalismo armado de pequenos grupos paramilitares apoiados por voluntários oriundos do lado de lá da fronteira. A divisão é antiga, evidente e profunda. Uma solução de Paz terá de a considerar com seriedade, e encontrar para ela um desfecho que não passe pelo esmagamento militar do povo em armas. De resto não me parece que o exército e os mercenários ao serviço da Junta de Kiev tenham capacidade para o fazer, e não creio que a própria Rússia o permitisse caso a NATO se envolvesse mais activamente num conflito que instigou e instiga.

Nota:
[1] A ameaça concretizou-se. Não em meu nome.