Afeganistão – Um filme Americano

Nacional

O levantar do pano

O triunfo da revolução Saur pelos comunistas do Partido Democrático Popular do Afeganistão em 1978, seguida pela Revolução iraniana, ocorrida em 1979, onde os Estados Unidos perdem uma importante base para o combate à URSS na guerra fria, acarretam consequências para a política imperialista ocidental. O Afeganistão torna-se assim prioridade para Estados Unidos e os seus famintos cães-de-fila ocidentais, alheios à condição humana do povo afegão, tudo em nome de um anticomunismo primário. Estudado o cenário geopolítico à altura, o aliado de circunstância são um grupo radical islamita, os mujahidins, precursor dos hoje conhecidos talibãs.

Desse apetite gordo do imperialismo americano, insaciável, alarve e inumano, desde sempre, se viu então parir o apoio financeiro, armamento e treino aos talibãs ali no final dos anos setenta, princípios dos oitentas. Integram-se como prioridades diplomáticas a introdução ao mundo, destes novos paladinos da liberdade ocidental e a oportunidade apresenta-se quando o legítimo governo afegão socorre-se dos soviéticos, para o combate aos mujahidins.

Nos anos que se seguem foram recebidos na Casa Branca por Ronald Reagan e foram visitados pela britânica Margaret Thatcher na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, “o mundo livre têm-vos no coração” disse a bruxa, cognome que lhe deixou a história, de forma justa diga-se.

O filme estava em fase de produção, e os créditos escrevemo-los, nós, nós e a verdade.

Um novo protagonista entra em cena, Osama Bin Laden (que fundara a Al-Qaeda um ano antes do término da guerra); Bin Laden torna-se um dos cartazes nos jornais ocidentais pela “liberdade” afegã e os Estados Unidos entregam o país aos talibãs em nome da democracia e do futuro ao fim de 10 anos de guerra civil, em nome do combate ao comunismo soviético. A propaganda arranca em força; até Hollywood e o Rambo dão uma mão e dedicam o filme aos radicais islamitas.

Um novo filme.

Em 2001, como resposta aos atentados da Al-Qaeda de Bin Laden aos Estados Unidos (cada um que cuspa no prato onde comeu) e financiada pela Arábia Saudita, o Afeganistão é invadido pelos Estados Unidos. Durante a investigação aos ataques terroristas, a equipa do FBI que denuncia o apoio à organização fundamentalista por parte dos sauditas, é afastada para manter as boas relações entres os dois países, e o Afeganistão serve de bode expiatório, como lar de facções da Al-Qaeda, organização próxima dos talibãs. O Afeganistão estava agora sobre administração estrangeira.

Em vinte anos o governo fantoche sem suporte de base popular, não consegue trazer a transformação e progresso já visto no Afeganistão outrora, os recursos naturais são privatizados e desbaratados a poderes estrangeiros, e, o sentimento antiamericano não esmorece. Contingentes militares de dezenas de países da NATO, com bênção total por parte da ONU, garantem a estabilização política da região, mas nunca a social e o barril de pólvora segue crescendo em tamanho. Os talibãs não desaparecem de facto nem de vez, muitos refugiando-se em países vizinhos, integrando-se noutras organizações, profissionalizando discurso e táctica. Vinte anos de gestão americana que não serviram para preparar, criar e estabelecer uma organização e hierarquia de estado nem criar as estruturas necessárias ao funcionamento de uma nação, nada que surpreenda, afinal sempre foi assim a política colonial.

O último acto.

Donald Trump anunciou a retirada total das forças americanas do território, como promessa de campanha e que o veio quase de forma total a fazê-lo. As consequências do acto à revelia de uma decisão internacional que pudesse preparar o país e as suas estruturas para uma independência e soberania capazes estão à vista, mas não obstante, a culpa recai não só em Trump, mas em todas as administrações americanas responsáveis pelos vintes anos de ocupação, com a cumplicidade da ONU e respectivos secretários-gerais.

Em menos de um ano da saída de Trump da Casa Branca, os talibãs assumem o poder no Afeganistão, que demonstra em larga escala a premeditação do acto e escancara a possibilidade de cumplicidade da antiga e da nova administração estado-unidense. Vai-se a ver e só o povo afegão desconhecia o seu fado.

As recentes previsões dos peritos militares, apontavam há uns dias para a queda de Cabul num mês. A capital caiu é certo, mas em menos de 48 horas. Não houve resistência governamental, de cariz militar e/ou político, não houve ocupação de estradas e pontes para atrasar o processo de avanço talibã, e o exército regular não se mobilizou. Os talibãs, agora profissionalizados, de discurso moderado e discurso político de consenso, para o mundo ver, encontram paióis americanos carregados de armamento, sem vigilância militar, ao dispor. A única estrutura que não ocupam na capital é o aeroporto.

Uma espécie de armistício não declarado que comprometeu o povo afegão e a sua segurança, das suas mulheres, das suas crianças, dos seus trabalhadores. Um aperto de mão, que só por ingenuidade não se sabe de quem são os braços que as seguraram e abanaram.

Em parte, semelhante ao processo de retirada do Vietname, em que a opinião pública americana não aceita há alguns anos o envio de mais tropas para o Afeganistão e, portanto, uma ocupação que deixa de ser sustentável, não interessa mais aos altos quadros do pentágono e da sala oval; o povo, esse, nunca interessou. Há que retirar à americana, ou seja, com o rabo entre as pernas.

Quem assume o primeiro discurso no palácio presidencial em Cabul é um dirigente talibã que esteve anos detido em Guantánamo. Em menos de 12 horas, os americanos afirmam que os talibãs de hoje não são os mesmos de ontem, e, que poderão decidir o seu papel na comunidade internacional, a ONU e a NATO acompanham esta lavagem de imagem que tem tanto de circunstancial como de último recurso, e os discursos apontam para a possibilidade de diálogo, com quem até agora era inimigo do progresso civilizacional.

Em menos de 6 horas começam a surgir as primeiras imagens de mortos nas ruas da capital, são activistas e jornalistas, mais se seguirão, seja por opção política ou religiosa, por orientação sexual, mulheres, crianças e homens simplesmente não cumpram a sharia de novo em vigor. E, não é certo que quem tente fugir tenha melhor sorte, que vídeos de militares americanos a dispersarem a tiro os afegãos que ocupam os aeroportos tentando sair do país, garantem que estes não são, nem nunca foram, os salvadores anunciados; outros mais, em desespero pendurados nas rodas dos aviões militares estado-unidenses, caindo pouco depois em pleno voo, mostram bem ao abandono a que estão votados.

Os créditos deste filme, não passam despercebidos, mesmo com as (infelizes) sequelas que aí estão por vir certamente; a realização é americana, numa co-produção com a NATO e a ONU.

Toda a solidariedade ao povo afegão, às mulheres e crianças afegãs, também.

O capitalismo imperialista americano é o coveiro de povos e nações. 

2 Comments

  • Manuel

    16 Agosto, 2021 às

    Gosto do vosso artigo mas acho que peca por defeito.
    A parceria entre o império anglo-americano e os obscurantistas do mundo muçulmano é bem mais antiga. Iniciou-se (pela mão dos ingleses) ainda em finais do século XIX inicio do XX para minar o império otomano.
    Hoje, é global, e visa impedir qualquer real modernização do mundo muçulmano para que nunca sejam capazes de proteger e explorar os seus recursos de forma eficiente e de se erguer, alterando a ordem anglo-americana vigente.
    A contractação dos islamo-fascistas para sangrar a URSS no Afeganistão assim como dentro das suas fronteiras (o integrismo islâmico começou a crescer dentro da URSS ainda nos anos 80) foi apenas mais um episódio da relação de servidão dos islamo-fascistas para com o império anglo-americano.
    Também o 11 de Setembro foi mais um favor histórico feito ao império para lhes desamarrar as mãos para uma escalada de agressão global sem precedentes.
    Também a Líbia e a Síria foram dois exemplos de bons serviços prestados pelos islamo-fascistas ao império.
    O que se passa hoje no Afeganistão é uma encenação criminosa. Os EUA e os Taliban há muito que acordaram a transferênica de poder.
    O objectivo desta manobra é a criação de um foco de instabilidade e de promoção do Islamo-fascismo que vá depois levar a violência sectária à zona ocidental da China (onde há forte presença muçulmana) e outros (Paquistão, repúblicas da Ásia central, Irão). Por essa razão se observa nos media de hoje uma lavagem da imagem dos Taliban.
    Isto não é, infelizmente, uma derrota do império. É uma tragédia para os povos do Afeganistão e um golpe contra a Humanidade.

    • José Manangão

      22 Agosto, 2021 às

      Concordo totalmente com a sua opinião, foi tudo fácil de mais para os Talibans, “encenação criminosa” é o termo correto!

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