As 50 sombras de Guedes

Nacional

Qual Esdras pedindo perdão a Deus, Jean-Claude Juncker veio expiar publicamente os seus pecados contra os povos vilipendiados pela UE. Para o Presidente da Comissão Europeia e ex-presidente do Eurogrupo, a troika “pecou contra a dignidade” de portugueses, gregos e também irlandeses.

Embora algo inesperada, a admissão do culpado não desvenda nenhum crime que os portugueses já não conhecessem demasiado bem. Eis quando não vem Marques Guedes, o ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares que acha que «a Constituição é um museu vivo», para morder a mão do próprio dono. Visivelmente irritado, Guedes tratou de taxar as declarações de Juncker de «bastante infelizes», já que «a dignidade de Portugal nunca foi beliscada». Ou seja, Guedes gostou e ainda queria mais. Das duas uma, ou Guedes gosta de sofrer e o aumento dos níveis de pobreza em 49% não foi suficiente ou Guedes gosta de fazer sofrer e, dependesse dele, os trabalhadores ainda apanhavam mais. Em qualquer caso, é seguro retirar duas conclusões das palavras do ministro, a saber: que para o PSD a exploração desatada sobre quem trabalha não bastou e que Marques Guedes é sado-masoquista.

E como o livro de E. L. James, agora vomitado para o grande ecrã, a ficção sado-masoquista de Guedes é péssimo entulho literário despejado na ideologia reaccionária dos conservadores neo-medievais. Mas não nos deixemos enganar: a apologia da submissão e do sofrimento encetada por Guedes não é fetiche, mas interesse. O problema é que quando o Governo diz que a dignidade de Portugal não foi beliscada, cria um problema semântico, porque não há um mas dois países que respondem ao nome de Portugal, o dos grandes patrões e dos banqueiros, que efectivamente nem beliscada foi, e o da classe trabalhadora, que sofre duramente cada dia de ultraje e exploração e que, curiosamente, está farta de repetir que não gosta. É que quando Guedes nega sequer um beliscão à dignidade, está a falar das pessoas que deixaram de poder pagar a renda, das depressões de trabalhadores que não encontram emprego, das famílias que só alimentam os filhos com a caridade, do crescimento explosivo da prostituição e dos suicídios, das filas intermináveis nos hospitais, dos salários que não dão para a comida. É só nada disto beliscou a dignidade de Marques Guedes porque a dita está desaparecida há anos.

Quando Guedes era Presidente da Câmara Municipal de Cascais era conhecido como «O Cowboy Piroso». Passados estes anos todos, continua a comportar-se sem o mínimo de pudor político. Mas é bom que se saiba que o ministro é resistente, não vá Guedes ter que sofrer uns beliscões, quando isto der a volta e os exploradores passarem para a mó de baixo.