Assim se faz um pobre

Nacional

Com cara fechada sobre uma solenidade que denuncia o compromisso umbilical e político com os senhores da alta finança, lançou assim António Costa, nossa nova Dona Abastança, o anúncio de várias medidas paliativas que passam certidão de óbito a qualquer laivo de socialismo desta maioria parlamentar.

Numa altura em que se percebe que a inflação e a carestia de vida só paulatinamente voltarão a valores considerados dentro da normalidade, cenário confirmado por Mário Centeno, governador do Banco de Portugal e ex-ministro das finanças de António Costa, as medidas anunciadas pelo governo, de carácter extraordinário e temporário, não configuram um conjunto de soluções e respostas ao que enfrentam o povo e os trabalhadores portugueses. De facto, o anúncio resulta, em larga medida e em boa análise, num financiamento dos lucros do grande capital e dos sectores estratégicos, nomeadamente os energéticos e agro-alimentares, através do erário público, subsidiando de forma extraordinária o poder de compra dos trabalhadores, mantendo intocável a posição de privilégio económico e fiscal destes grupos.

Dificilmente não se deduzirá que António Costa, o seu governo e a sua maioria parlamentar não estão ao serviço dos comendadores do capital, prestando-se ao ridículo papel da estranha caridade, enquanto os de sempre continuam a sorver uma riqueza que incompreensivelmente não é redistribuída, sobretudo face às particularidades bastante exigentes da conjectura económica mundial. Se não, que se perceba que o que está em causa nestas medidas não é o impacto que possam ou não sentir os trabalhadores, com os famigerados cento e vinte e cinco euros ou as meias pensões, a serem pagos numa única tranche, ou até o congelamento do valor dos passes urbanos e em viagens CP. Necessário e urgente é olhar o que sustenta estas medidas e as suas implicações futuras.

Primeiro, o subsídio extraordinário de 125€ ou as meias pensões de aumento em Outubro representam um nada do que foi pago desde Janeiro pelos portugueses com o aumento da inflação, pelo que na verdade se trata de uma devolução parcial e mínima de um custo já suportado por todos. Esta opção de fronte populista e absolutamente inconsequente no tempo, vem substituir-se ao que é imposto, antes por desenvolvimento e agora por dignidade, o aumento e a valorização dos salários. António Costa não só nega a possibilidade de viver condignamente, como ainda atira aos trabalhadores o seu próprio dinheiro, anunciando com desfaçatez o esforço que é exigido ao ministério das finanças. Se explicado está que esta medida não compensa a queda do poder de compra sentido pelos portugueses, o mesmo se entenderá dos 50€ atribuídos aos dependentes, que no caso de crianças em idade pré-escolar, esse valor não cobrirá o do direito à creche, que o governo não conseguiu garantir por falta de vagas. Ao engano levaram-se os reformados, que por contrapartida e decisão unilateral dos socialistas, de verem a sua pensão, em Outubro, aumentada uma vez e meia (que uma vez mais não cobrirá o gasto deste ano com a carestia de vida), não se cumprirá a lei que ditava que o aumento anual das reformas acompanharia o valor da inflação e, assim, o previsto para 2023 não tomará lugar, sendo esperada uma perda ainda mais acentuada do seu poder de compra. O embuste continua formoso e seguro, pois a propalada redução do IVA da electricidade, que estranho seria, pois a maioria PS rejeitou a proposta comunista nesse sentido, faz pouco tempo, não possui a transversalidade anunciada, já que só o valor parcelado à taxa de 13% sofrerá a redução para os 6%, isto é, em média, apenas cerca de 35% do consumo energético dos portugueses estará coberta por esta medida, sendo o resto do consumo taxado de igual forma a 23%, para gáudio dos distribuidores. Noutro malabarismo, a limitação das rendas a aumentos até 2%, traz consigo uma outra rasteira socialista, que deixou de fora os contratos feitos desde Janeiro de 2022, sujeitos a actualizações na ordem dos 6%, prejudicando sobretudo jovens e trabalhadores com vínculos precários ou temporários, que saltitam de casa em casa, cada vez mais atirados para os subúrbios, transversalizando a impossibilidade para a compra de casa ao arrendamento que sofreu, em média, um aumento de 38% desde 2017. A esta questão junta-se a chamada “solução de compromisso” ao compensar os senhorios em sede de IRS ou IRC pelo diferencial entre o aumento máximo de 2% e o valor da inflação prevista, de 5,43%.

A submissão do governo aos poderes instalados e respectivas clientelas é de tal ordem, que olhando para dentro, a sua posição nada se distingue de várias propostas da direita trazidas para cima da mesa, para combater a inflação, sempre a favor das margens de lucro do grande capital, e que deixou os liberais, que tanto espumam contra o socialismo de Estado, confusos e esgrimindo argumentos desconexos da realidade e lançando ataques vazios ao governo, quando em simultâneo, os seus accionistas se esfregam de contentamento, mergulhando entre as notas e moedas usurpadas ao trabalho e aos trabalhadores. Olhando para fora, a tragicomédia assume ainda contornos mais rocambolescos quando nem por cópia de movimentos, António Costa ousou repetir a medida de alguns países europeus de travar os lucros especulativos ou de tributá-los, como bom liberal, que ao longe já ninguém os distingue, e de perto também não, fiel ao capital-dono que sustenta toda essa gente que explora toda esta gente, aprofunda e agrava desigualdades.

Não se trata de desvalorizar ou avaliar se os numerários traduzidos das medidas são muito ou pouco, se são suficientes ou insuficientes, se farão muito ou pouco pelos trabalhadores e pelas famílias, trata-se de entender a inconsequência no tempo das medidas, de perceber um posicionamento político que se destaca pela defesa do lucro especulativo do grande capital através de um financiamento público e da conivência desta maioria, que neste mesmo ano apresentou com pompa o “orçamento mais à esquerda de sempre”, perante uma crise que ameaça a coesão social e promove o empobrecimento do país e dos portugueses. Num âmbito mais alargado, trata-se ainda de compreender o impacto das políticas resultantes da pandemia e que resultaram num inevitável aumento da inflação, mas, sobretudo, dos posicionamentos tomados por fidelidade canina, prostrada à necessidade de revitalização económica dos Estados Unidos da América, impondo sanções à Rússia, que só por propositada desatenção ou idiotice não se atentam aos avisos históricos de que sanções nunca terminaram guerras ou depuseram regimes, e que os seus efeitos recaem somente sobre os povos, e a inutilidade destas, em particular, reflectem-se pela queda abrupta do valor do euro que em muito contribui para a actual crise.

Dada a maioria absoluta, até poderíamos dar de barato que o povo está com o PS, mas é certo afirmar que o PS não está com o povo. Está ali sentando entre os seus financiadores, financiando-lhe os lucros numa gamela circular, enchida com dinheiro dos trabalhadores e negando a estes o direito à redistribuição de riqueza.

Quem se mete com o PS, empobrece.

1 Comment

  • Hugo Pereira

    27 Setembro, 2022 às

    São demasiadas as evidências do empobrecimento objectivo com propósitos vários e se alguém se queixar haverá sempre um qualquer Ulrich para afirmar que o Povo aguenta!
    Esta é uma Verdade factual

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