Foi hoje conhecido o tal “governo sólido” que Passos Coelho prometeu para os próximos quatro anos. E há, de resto, uma mão cheia de novidades. Não nas vontades, nem nas políticas, evidentemente, mas sim na simbologia que carrega quer a continuidade de uns, quer a entrada de outros. De “boas” referências do passado, a novas e redobradas garantias a mortos-vivos do governo anterior, esta “lista vip” de ministros e ministérios é bem ilustrativa da “ameaça” que seria ter esta direita durante mais quatro anos no poder. Após toda uma legislatura de uma política de monstruosidades, eis-nos agora perante um governo-zombie, que tem essa mais-valia anunciada de se esvair em cinzas já no próximo nascer do sol.
Autor: Ivo Rafael Silva
“É matar os radicais”, disse o moderado!
Mas quando nos julgarem bem seguros, Cercados de bastões e fortalezas, Hão-de ruir em estrondo os altos muros, E chegará o dia das surpresas*
Nos últimos dias assistimos sem surpresa a uma escalada de “alertas” sobre a possibilidade da chegada ao poder de uns “perigosos partidos extremistas e radicais”. O PCP, esse partido até aqui elogiado pela direita por organizar manifestações “com todo o respeito pelas regras democráticas”, passou rapidamente a partido “da desordem”, do “caos”, do velho e regressado “papão” que não tem um programa “suficientemente aceitável” para governar o nosso país. Contudo, antes que os comunistas chegassem hipoteticamente ao poder, bastou esperar pelo início da noite de ontem para ver efectivamente o radicalismo e o extremismo tomarem conta – uma vez mais – da cena política nacional, e pela voz do próprio Presidente da República. “É matar os radicais”, lá disse o moderado!
O Falso Génio
É já quase um lugar-comum o facto de não haver pé de igualdade entre candidatos e candidaturas aos principais órgãos políticos do país. Sabemos muito bem que a formação da opinião pública, e consequentemente do voto, ainda depende – e muito – do que é veiculado e “como” é veiculado pelos órgãos de comunicação social. A direita, melhor do que ninguém, sabe que assim é, e não tenhamos dúvidas de que, nos dias que correm, tão importante como escolher deputados e ministros é escolher e mover influências para ter determinados comentadores “a entrar” todos os dias nas casas dos portugueses. Faz parte da estratégia que vai enganando e “controlando” muito boa gente neste país. Faz parte das razões que trouxeram o país para o pântano em que se encontra metido.
Luzes, Sombras e «Ganhar Sempre»
O cenário pouco depois das projecções não podia ser mais ameaçador. Marco António Costa e Nuno Melo, de braços no ar, reaparecidos, saídos do buraco onde estavam há semanas, davam vivas à coligação. Na TVI estava Miguel Relvas, o doutor, outra aparição, ufano, de peito cheio e sem vergonha na cara, a dar lições de política e de moral. Perguntassem-me por acaso, há um ano, se veria como possível este cenário e estes figurantes, de semblante vitorioso, numas próximas legislativas, por certo teria de responder algo como isto: «Não brinquem comigo. Isso seria mau demais para ser verdade.» Em boa verdade, as coisas não eram tão luminosas quanto nos pareciam fazer crer.
«Comemos com um resgate»? Quem?
Esta frase soaria de forma estranha na boca de qualquer primeiro-ministro, não fosse esse primeiro-ministro chamar-se Pedro Passos Coelho. Assim, a acrescentar ao insistente e reiterado uso do “dourar a pílula” e a outras tiradas no mínimo desajustadas, tratando-se do minguado Pedro Passos Coelho que nunca nos habituou a proferir grandes inteligências, antes pelo contrário, o inusitado “comemos com um resgate” foi só e apenas mais do mesmo. Mas eliminando a estética institucional da coisa, e que a direita por norma tanto preza e tanto critica nos outros, e passando à substância, que é o que realmente aqui nos importa, talvez seja bom usar a expressão do primeiro-ministro para reflectir sobre quem é que de facto “comeu com o resgate” e, sobretudo, quem é que “comeu dele”.
Uma coisa é certa: quem “comeu com ele”, no sentido de “sofrer com ele” não foi Pedro Passos Coelho, nem os seus amigos banqueiros
De Chumbo em Chumbo
Depois de, há poucas semanas, ter detectado e apontado irregularidades e falta de transparência nas privatizações da EDP e da REN – em claro e grave prejuízo para o Estado Português –, o Tribunal de Contas voltou a arrasar mais um acto de gestão do actual governo. Desta feita, os juízes consideraram “excessivo” o aumento da taxa da ADSE e denunciaram – e este é o verbo mais adequado – o uso desse mesmo excedente para “compensar a redução do financiamento público” e satisfazer “problemas de equilíbrio do Orçamento do Estado”. Ou seja, o inusitado sacrifício que o governo impôs aos funcionários públicos teve apenas um único propósito: mascarar o défice, inverter estatísticas negativas e alimentar a ideia de que, afinal, as contas públicas estão “no bom caminho”.
Bem-vindos ao «pelotão da frente»
Ano da desgraça de mil novecentos e oitenta e seis. No dia primeiro do mês Janeiro, Portugal é formalmente anexado a uma grande corporação capitalista, que para levar a cabo o seu desejo de domínio e monopólio europeu e mundial, necessita, como é normal neste ciclo, de fiéis serventuários. Atribuem-nos milhões para adoçar a boca e que são gastos como sabemos. Abate-se a produção nacional, sequestra-se a nossa capacidade económica, aniquila-se grande parte da nossa independência financeira, social e também política. Prometem-nos a «modernidade», a «solidariedade» e a oportunidade «imperdível» de entrarmos num «pelotão da frente» que, é preciso recordar a jactância, faria de nós «um grande, moderno e avançado país». Depois de anos de desbragada ilusão, o doloroso definhamento histórico salta à vista. Um retrocesso cujos indicadores sociais e políticos só encontram comparação em períodos de catástrofe, ou de pós-guerra. A realidade, essa teimosa, essa persistente, mostra-nos todos os dias – como o PCP na altura isoladamente afirmava – o grande sarilho, a grande tragédia, a grande farsa em que PS, PSD e CDS nos meteram.
O velho exame da velha escola
A criança tem 9 anos e vai de rosto fechado pela rua fora, como todos os dias. Mas hoje, ao contrário do que é habitual, não me disse bom dia. A princípio, não percebi muito bem porquê. Os pequenos também têm as suas “consumições”, dizia a minha avó, foi o que pensei. Depois despertei. É dia de exame. A criança está absorvida por preocupações. Dia de martírio. De ser encostada à parede. Dia em que, pela primeira vez, aquela criança será sujeita à solenidade terrível de uma espécie de julgamento precoce em que todo o ambiente, todo o contexto à sua volta não propicia senão o nervosismo, a ansiedade, o medo e a insegurança. Os exames finais não são pedagogia em parte nenhuma do mundo. São apenas tormento.