Escrever uma história é difícil, mais difícil ainda é escrever uma boa história, daquelas que prendem desde o início, que nos fazem apaixonar pelas personagens e pelos seus trajectos. Não esquecer que uma boa história deve conter algumas mudanças inesperadas na narrativa, para ficarmos de boca aberta e com vontade de ler, ouvir ou imaginar mais. O final é o mais difícil, é aquela parte em que há quem prefira finais felizes, há quem goste de finais realistas, “porque a vida é mesmo assim”, e há quem goste de finais dramáticos, cheios de sangue, suor e lágrimas, muitas lágrimas.
Autor: Manifesto74
Gil Garcia + Marinho e Pinto = Amor
Excertos de coisas que nos atiram para as mãos em manifestações. Jornal do MAS, nº25.
De cabeça baixa
Metro do Campo Grande. Um homem vendia a revista “Cais”. Entre os “não, obrigado” que rapidamente viravam a cara, com ou sem sorriso, uma senhora simplesmente fecha a expressão, baixa a cabeça e olha para os pés. A filha adolescente da mulher também fica muda e olha para o lado. O homem a fala sozinho durante uns segundos, até desistir.Há uns anos, de sorriso na cara, comprava a “Cais”, de vez em quando, dava uma moeda ou um pão, de vez em quando. Agora não posso, mas ainda consigo dizer sempre “não”, mas sorrio cada vez menos. Quanto mais evidentes são as minhas próprias dificuldades financeiras e de projectar o futuro, mais consciente fico de que a linha que divide uma vida digna, com um tecto e sem fome, de uma vida que não é bem uma vida, é mesmo muito ténue. E é uma linha intermitente, com cada vez mais buracos onde podemos tropeçar e cair.
Ai de si que engravide!
Aparecem hoje notícias que nos anunciam que algumas empresas obrigam as suas trabalhadoras a assinar um papel onde se comprometem a não engravidar nos próximos cinco ou seis anos. A única novidade aqui é o facto de isto, finalmente, ser notícia.Desde a chegada da Troika ao país, e utilizando a chantagem da crise, foram vários os patrões que pressionaram, coagiram e despediram mulheres grávidas ou com filhos pequenos a cargo. Numa empresa que se queira rentável, produtiva e empreendedora, uma trabalhadora nestas condições é um empecilho tão grande quanto o tamanho da barriga que ostenta.
São horas, senhor
Já muito se escreveu e falou sobre o mais recente videoclip dos Mão Morta. Chocante, para alguns, violento, para outros, a verdade é que aqueles (quase) 4 minutos espelham bem a realidade de um país. A música, arrastada e hipnotizante, e o duro conteúdo das palavras grunhidas pelo Adolfo Luxúria Canibal, fazem um par perfeito com as imagens que vamos vendo lá atrás. É o BPN, é o Sócrates e o Passos, é a Igreja e a Troika, enfim, é tudo aquilo que nos tem empurrado para o buraco. E é sobretudo uma arma carregada que dispara e mata. Com precisão.
Procura-se Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Fugiu de casa de seus pais, Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. No dia do seu desaparecimento, o indivíduo de 52 anos vestia calções de banho com motivos florais, chinelos de enfiar o dedo verde-alface e uma t-shirt do Pique, a mascote do Mundial de Futebol de 86, no México. A Polícia Judiciária dá conta da extrema perigosidade que este indivíduo apresenta para os transeuntes das ruas do país. Quando avistado, a primeira coisa a fazer é tapar imediatamente os ouvidos, visto que além de ser popularmente conhecido como alguém de falinhas mansas, este elemento bale quando tenta cantar. As autoridades nacionais irão distribuir, gratuitamente, tampões de silicone para os ouvidos até que se descubra o paradeiro deste desaparecido.
Procura-se Álvaro dos Santos Pereira
Fugiu de casa de seus pais, Álvaro dos Santos Pereira, também conhecido desde a infância como “Alvarinho”. No dia do seu desaparecimento, o indivíduo de 42 anos, vestia um anorak grená, boina azul com a marca “Olá” estampada e ao pescoço transportava um tabuleiro com duas dúzias de pasteis de nata. As forças de segurança dão conta de que o indivíduo aparenta sofrer de perturbações mentais. Vários testemunhos afirmam que foi visto por mais do que uma vez a falar sozinho na rua, em restaurantes, em cafés, em concertos e em salas de cinema, com amigos imaginários a quem trata por “mercados”.
Procura-se Vítor Louçã Rabaça Gaspar
Fugiu de casa de seus pais, Vítor Louçã Rabaça Gaspar. No dia do seu desaparecimento, o indivíduo de 53 anos, vestia um fato escuro, coçado nos cotovelos, gravata laranja desbotada e sapatos pretos de berloques impecavelmente engraxados. Segundo as declarações recolhidas pela Polícia Judiciária, esta fuga poderá ter-se dado por motivos passionais. Vítor Louçã Rabaça Gaspar terá abandonado a sua relação polígama com os membros do XIX Governo Constitucional de Portugal, para se juntar, numa relação bígama, a duas senhoras de meia-idade, uma alemã e outra francesa, que lhe terão prometido um emprego mais estável e mais bem remunerado do que o seu anterior. Este emprego teria ainda o bónus de ser livre de impostos e oferece a possibilidade de uma relevante reforma antecipada ao final de apenas 3 anos.