B: Bill Gates

Teoria

B: Bil Gates

Talvez por usarmos os seus produtos todos os dias, a canonização de Bill Gates como paradigma do capitalista empreendedor que merece ser bilionário pode parecer inquestionável. Afinal, se ele criou a Microsoft porque é que a Microsoft não pode ser dele? Mais! Sem a promessa de um dia poder ser muito rico, provavelmente Bill Gates não teria criado nada e ainda estaríamos agora a usar máquinas de escrever.

Estas lendas ignoram as condições financeiras, sociais e educacionais de que, neste caso, Bill Gates precisou para poder criar a Microsoft: os pais de Bill Gates eram milionários e isso não é um pormenor. Bill Gates cresceu com acesso às melhores escolas, a crédito bancário, aos contactos certos e, sobretudo, a um colchão financeiro que lhe permitiu arriscar sem correr riscos. Sim, parece uma contradição e é mesmo: em nenhuma das suas grandes apostas, Bill Gates alguma vez correu o risco de perder a casa.

As “invenções” de Gates não são, sequer, totalmente suas. Como todas as invenções, só são possíveis em sociedade e graças às contribuições científicas e tecnológicas de centenas de outros inventores, mas também graças a todos os que lhe garantiram o funcionamento de estradas, canalizações, recolha de lixo, explorações agrícolas, construção civil, saúde, etc. Por outras palavras, Bill Gates só pôde dedicar-se à investigação porque não teve de se dedicar a construir as suas próprias cadeiras e a ordenhar vacas para fazer o seu próprio queijo. Se uma criação só é possível socialmente, os seus benefícios devem ser socializados.

Independentemente do mérito da invenção, que deve ser justamente recompensada, nada justifica uma renda vitalícia de milhares de biliões de dólares que não incentiva ninguém a continuar a criar.

O capitalismo tornou-se no principal obstáculo ao progresso tecnológico e científico da humanidade: quantos potenciais génios não têm o tempo, os meios ou as oportunidades para estudar, inventar e criar? Quantas ideias inovadoras não passam do papel por não conseguirem acesso a crédito justo? Quantas patentes são roubadas pelos monopolistas? Quantas descobertas são compradas e enfiadas numa gaveta porque reduziriam as taxas de lucro de qualquer empresa obsoleta? Quem aguenta os primeiros anos de prejuízos de uma nova empresa a competir contra gigantes multinacionais?

Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um instrumento rápido para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.