Bailarinos da CNB em greve!

Nacional

Desde que sou gente que ouço dizer que os bailarinos estão em luta por um estatuto profissional próprio que reconheça as suas especificidades, principalmente ao nível físico, já que como é fácil de entender, o corpo de um bailarino de 40 anos que começou a dançar aos 6, já não tem as mesmas condições do que tinha aos 20 anos e, como tal, já não pode desempenhar as suas funções da mesma forma. Já para não falar das lesões. No fundo um corpo de bailarino não é muito diferente do corpo de um atleta de alta competição, a diferença é apenas a sua aplicação.

Prometeu o actual governo resolver a questão dos bailarinos, pelo menos os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado. Para resolver o problema de todos os bailarinos que trabalham nas mais variadas estruturas ou criando em nome próprio, só mesmo com um governo que soubesse dar a importância devida à cultura e aos direitos dos trabalhadores. Como para este governo nem uma coisa nem outra são importantes, são até para destruir, decidiu então ocupar-se da CNB.

Apesar de alegar que houve diálogo desde 2013, o que o gabinete do Secretário de Estado da Cultura fez foi apresentar de modo unilateral uma proposta de Estatuto do Bailarino da CNB à Comissão de Trabalhadores da CNB. Esta proposta não respondia às necessidades dos bailarinos, piorava-as até, e como tal não teve o aval da CTCNB. Vai daí, e bastante habilidosamente, o gabinete do SEC faz alterações de pormenor ao diploma e na sexta feira, às 18h30, envia para a CTCNB o dito documento pedindo resposta até hoje, segunda feira.

Rapidamente os bailarinos se juntaram em plenário de emergência e, por esmagadora maioria, decidiram apresentar um pré-aviso de greve, mas devido aos necessários 5 dias úteis para que uma greve seja convocada, não poderão os bailarinos fazer greve já este fim de semana no espectáculo “Pássaro de Fogo” no Teatro Camões.

Seja como for, a greve está marcada para espectáculos futuros, a posição dos bailarinos está bem vincada e é de total rejeição deste Estatuto do Bailarino da CNB.
Se nada fizermos, a realidade será a apresentação apressada desta proposta de lei, sua aprovação e consequente degradação das vidas laborais e pessoais destes trabalhadores. Se agirmos solidariamente e conseguirmos activar todas as redes de activismo a que temos acesso, podem a pressão popular e mediática fazer o governo recuar e deixar cair esta proposta, abrindo um processo de discussão decente em que os visados estejam integrados e façam parte real da solução.

Aqui vos deixo o comunicado dos bailarinos e da direcção do CENA:

“Os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado têm assistido ao longo dos últimos anos a um conjunto de iniciativas legislativas, que mais não têm sido do que formas de condicionar e distorcer o normal exercício da profissão de bailarino do bailado clássico e contemporâneo.

A primeira dessas iniciativas surgiu por via da Lei 4/2008, que veio introduzir carácter fortemente precário ao exercício da actividade, subtraindo com prejuízo claro para os bailarinos, a regulação de parte da sua relação laboral ao regime do Código do Trabalho, e cujo corolário acaba por ser a pretensão de nessa mesma lei encontrar acolhimento para a ausência de necessidade de justificar o termo aposto aos contratos volatilizando os vínculos de forma arbitrária.

Mas a dita Lei vai mais longe, tendo introduzido um conceito de dever de ocupação efectiva, que no limite permite à entidade patronal o cumprimento do dito dever sem que o bailarino(a) participe em espectáculos.

Tudo os bailarinos têm suportado em silêncio, reagindo em Tribunal nas situações limite de ruptura da relação laboral.

Porém, foram os bailarinos presenteados, a coberto de uma invocada preocupação com a especificidade própria da sua profissão, com uma Proposta de Lei que mais do que se preocupar com a carreira dos bailarinos do bailado clássico e contemporâneo, procura encontrar formas, mais ou menos explícitas de por termo, prematuramente, às suas carreiras.

O Diploma que nos é apresentado pelo gabinete do Secretário de Estado da Cultura, não corresponde de modo algum ao prometido Estatuto do Bailarino da CNB que seria um conjunto de deveres e direitos atendendo à especificidade, penosidade e necessária dignificação das carreiras destes artistas.

As alterações agora propostas não modificam as questões fundamentais que se prendem com o final da carreira, formação e aproveitamento dos recursos humanos, assim como o real acesso à reforma por parte dos bailarinos, limitando-se a prosseguir o caminho já encetado pela Lei 4/2008. O problema do patamar etário versus desempenho da actividade (acesso à reforma), tem desde o ano 2000 merecido por parte dos bailarinos várias propostas e iniciativas em vários fóruns, a saber: Assembleia da República, Ministérios do Trabalho e da Cultura e Segurança Social. Porém, todas essas propostas foram agora obliteradas e em seu lugar surge uma iniciativa legislativa que através da articulação de um conjunto de medidas conduz os bailarinos ao fim da sua carreira, sem soluções de continuidade e condenado-os a procurar uma nova forma de vida depois dos 40 anos.

A Proposta de Lei será o fim da carreira de bailarino(a) em Portugal, já que a conjugação explosiva, desta proposta com a Lei 4/2008, não só não permite a criação de vínculos laborais duradouros, como acaba de forma abrupta e violenta com os existentes, esquecendo aqueles que dedicaram a sua vida ao Bailado, e que também têm família, filhos e vontade de uma vida digna.

Desde 2013 as nossas missivas e tentativas de estabelecer diálogo não foram respondidas. A suposta negociação limitou-se a duas reuniões nos últimos dois meses.

Assim, não podendo continuar a conviver com esta situação de incerteza quanto ao seu futuro e perante a completa ausência de protecção à carreira, decidiram os trabalhadores da CNB em Plenário de emergência realizado no passado dia 20 de Junho, que:

– caso não se verifique um recuo na apresentação desta Proposta de Lei e a aceitação de abertura de um processo participado de elaboração de um verdadeiro Estatuto, farão GREVE aos espectáculos a realizar posteriormente ao final do período de pré-aviso.

Datas dos espectáculos:

17 e 18 de Julho em Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite
24, 25 e 26 de Julho no Largo do São Carlos
Os Bailarinos da CNB e a direcção do CENA”

* Autor Convidado
André Albuquerque