Blocobuster

Nacional

Há várias formas de atrair a atenção para vários assuntos. Normalmente, as melhores campanhas são as que não são consensuais, que geram aquilo a que se chama “buzz”, que significa agitar, fazer com que se fale de um determinado produto. Ontem, o Bloco decidiu apresentar um cartaz em que afirma que Jesus também tinha dois pais. A imagem, feita a partir de um “meme” com 300 anos que circula na internet desde que há ficheiros JPG, pretende isso mesmo, criar “buzz”, aproveitando o Bloco para surfar na crista da onda da sua mediatização. Sou ateu e comunista, creio que faz de mim insuspeito quanto a religiões e à simpatia que nutro por elas, que é nenhuma. Sejam elas quais forem.

No entanto, há vários disparates na iniciativa do Bloco, que começa por celebrar uma liberdade individual provocando outra. E isso não pode fazer-se. E mais grave ainda, não pode fazer-se apropriando-se de uma luta que foi tremenda e esteve longe, muito longe, de ser apenas uma luta que envolveu o Bloco: envolveu pessoas e o seu direito a fazerem o que bem entendem com a sua vida. Exactamente o mesmo que faz quem quer ou precisa de acreditar num ser espiritual.

A História, toda ela, demonstra-nos que não há direitos assegurados. Os povos lutam para consegui-los e têm uma tarefa ainda mais complicada, que é defendê-los, como vimos ainda recentemente em relação ao retrocesso civilizacional que era a nova lei da IVG, aprovada por PSD-CDS com a bênção de Cavaco.

Devíamos todos saber que as lutas pelas liberdades, sejam elas quais forem, não são um sprint, são corridas de fundo, longas e difíceis. O que o Bloco faz é festejar a vitória da passagem aos 5km nos mais de 42km que compõem uma maratona.

Depois, para quê trazer a religião, seja ela qual for, para esta discussão? Recordo-me muito bem de ter ido, com outros camaradas, distribuir panfletos a favor da despenalização da IVG – quando o Bloco ainda achava que os direitos fundamentais se referendam – à saída da igreja de Leça, depois da missa de domingo. E de sermos muito bem recebidos e de recolhermos apoios que seriam bem surpreendentes, se fossem revelados.

Isto para dizer que as igrejas, enquanto instituições, não me merecem o mínimo respeito. São, de facto, máquinas de manipulação e alienação das massas, como também a História nos demonstra. Mas, para lá das instituições estão as pessoas e não pergunto a alguém que esteja do meu lado na barricada se reza virado para Meca ou ajoelha para o terço. É o campo das liberdades invioláveis que cada um tem de ter. Tal como a sexualidade, também a espiritualidade diz respeito a cada um de nós.

Demonstrado que está o disparate, creio que é legítimo concluir que o Bloco conseguiu o que queria: criou o “buzz” e é falado. Se isso será bom ou mau para o Bloco, é-me indiferente; que não trouxe nada de bom à luta pelas liberdades individuais, pela igualdade e contra o preconceito, tenho a certeza.