Faltam por aqui 3,9 mil milhões de euros.

Nacional

“falta por aqui uma grande razão” dizia Cesariny. E agora falta de facto por aqui “uma grande realmente razão” porque anda por uma aí uma tremenda confusão. Mas o Manifesto74, em linha com a sua tradição, está aqui para ajudar.

Ora, então depois de termos ouvido durante um ano inteiro, PSD e CDS teimarem que o Estado não pagou um tostão da resolução do BES e que foi tudo pago pela banca, eis que vêm agora, um e outro, dizer que se o Estado não vender o Novo Banco não poderá reaver o que gastou. Em que ficamos? Então não tinham sido os bancos a pagar o Novo Banco? Que tem o Estado a reaver se foram os bancos que pagaram o Novo Banco? Ah, afinal o PCP tinha razão e os bancos não pagaram nada. Estamos esclarecidos.

O PS, que diz que o PSD tratou mal o processo Banif, acabou por entregar o Banif ao Santander e ainda pagou pela operação – concluindo o processo em linha com o que queria o PSD – e que sempre criticou o processo do BES/Novo Banco, afinal de contas prepara-se para prosseguir com a estratégia do PSD/CDS ao dizer que não vê a nacionalização senão como hipótese de último recurso, no caso de não aparecer comprador privado.

Mas a confusão não se fica por aí. O BE, que desde o dia 25 de Janeiro tem nas ruas por todo o país uma campanha de outdoors a dizer: “Novo Banco – pagamos para vender? – banca pública ao serviço das pessoas” e que desde 2014 que tem a sua líder a dizer que “já pagámos, só nos falta mandar“, vem agora dizer que é preciso pensar muito bem, política e tecnicamente a solução para o Novo Banco e que não se pode fazer o debate à pressa e que pode bem ficar para mais tarde, para “depois da aprovação final do Orçamento do Estado“.

Tudo isto porque o PCP assumiu a posição e decidiu concretizá-la com uma proposta concreta. PS, PSD e CDS sentem que a posição do PCP ameaça o sistema no seu coração – o sistema financeiro e os grupos monopolistas – e o BE não disfarça uma espécie de frustração por não ter tido a coragem ou o engenho de avançar com a proposta.

Mas então, vamos lá explicar a operação para que todos percebam onde está o dinheiro público e como foi feita a resolução e pode ser feita a venda a privados ou a nacionalização. Ao menos o dinheiro público ainda sabemos onde está, apesar de não sabermos para onde foi o dinheiro do banco que deu origem ao buraco de mais de 8,6 mil milhões de euros, já que ninguém quis aprovar a proposta do PCP para ir procurar os que andaram a viver à grande e à francesa com o dinheiro das poupanças dos clientes do Banco que acabámos todos por pagar.

Cenário da resolução: o Fundo de Resolução tinha que pagar 4,9 mil milhões pela resolução do Novo Banco, no sentido de satisfazer as necessidades de capital do Banco. Contudo não tinha dinheiro.
O Fundo é alimentado por um imposto pago pela banca a um ritmo de cerca de 100 a 150 milhões anuais, pago por todas as sociedades de crédito que trabalham em Portugal, na medida da sua dimensão e lucro. A Caixa Geral é, portanto, quem mais paga anualmente para o Fundo de Resolução, seguida pelo BCP, depois Novo Banco, e por aí fora. Ora, estava portanto o fundo em muito más condições de dinheiro e teve de pedir emprestado para pagar os tais 4,9 mil millhões ( 4 900 000 000 euros ) pelo banco que não era assim tão novo. Vai daí e pede emprestado aos portugueses 3,9 mil milhões de euros ( 3 900 000 000 euros ) e aos bancos pede emprestado cerca de 1000 milhões ( 1000 000 000 euros ). Portanto, neste momento, o Fundo de Resolução deve ao Estado Português 3,9 mil milhões e aos bancos mil milhões, empréstimo pelo qual paga juros aos credores, apesar de não ter dinheiro próprio.

Cenário de venda a um privado (reprivatização do Novo Banco): Se um privado oferecer, por exemplo, 500 milhões pelo Novo Banco, o Fundo de Resolução recebe esses 500 milhões e vende a parte boa do banco, ficando com os activos tóxicos (créditos não pagos, imobiliário desvalorizado, garantias inexistentes ou sobravaliadas, etc..) e com uma dívida ao Estado e aos bancos. Com os 500 milhões que recebe, paga 400 milhões ao Estado e 100 aos bancos, dos quais, 40 para a Caixa Geral. Ou seja, fica a dever ao Estado 3,5 mil milhões de euros e aos bancos 900 millhões de euros, um total de 4,4 mil milhões. Ao longo dos anos seguintes, os bancos – incluindo a Caixa – vão pagar os tais cerca de 100 milhões anuais em impostos que o Estado coloca no Fundo de Resolução e com esses 100 milhões anuais, o Fundo de Resolução vai pagando os 3,5 mil milhões que deve ao Estado e os 900 milhões que deve aos bancos mais os juros sobre esses valores. Ora, na melhor das hipóteses, tendo em conta os juros, e partindo do pressuposto de que nenhum outro banco precisará de resgate durante esse período, o Fundo de Resolução iria conseguir pagar a dívida ao Estado e aos bancos portugueses mais ou menos daqui a 40 e alguns anos.  Portanto, o Estado ficaria sem Novo Banco, com um empréstimo de 3,5 mil milhões a um fundo de resolução que nunca o vai conseguir pagar e ainda teria de assumir a responsabilidade sobre as litigâncias e outros problemas do Novo Banco que o privado exigiria separar do banco que quer comprar.

Cenário de venda ao Estado: imaginemos que o Estado avalia o Banco em 500 milhões, tal como o privado. E que solicita a segregação dos activos tóxicos, tal como o privado. O resultado é este: o Estado paga 500 milhões de euros ao Fundo de Resolução, o fundo paga ao Estado 400 milhões e aos bancos 100 para amortizar o empréstimo. Fica assim a dever ao Estado 3,5 mil milhões e aos bancos 900 milhões. Ao longo dos anos, os bancos vão pagando o imposto que alimenta o fundo e o fundo vai pagando a dívida ao estado no valor de 3,5 mil milhões ao longo de qualquer coisa como 40 e alguns anos. O Fundo de Resolução fica com os activos tóxicos e coloca-os numa qualquer sociedade veículo, como faria no caso de ser feita a venda a um privado e fica com uma dívida ao Estado e aos bancos num total de 4,4 mil milhões, tal como deveria caso tivesse vendido o banco a um privado. Ao mesmo tempo, o Estado reavê os 3,9 mil milhões que emprestou na totalidade ao longo dos tais 40 e e alguns anos porque ao longo desses 40 e alguns anos a banca continuará a alimentar o fundo com cerca de 100 a 150 milhões de euros por ano. A diferença é que o Estado ficava com a parte boa do Banco para si. Se o Fundo de Resolução nunca conseguir pagar o que deve, a situação é exactamente igual à que se viria a verificar no caso de venda a um privado, ou seja, o risco é o mesmo.

A questão é simples: o Fundo de Resolução é alimentado por um imposto que rende um valor anual. Do ponto de vista da lei, o Estado receberá sempre o empréstimo, caso o banco seja entregue a um privado ou fique na esfera pública. Portanto, se o Estado adquirir o banco por 100 euros, o Fundo de Resolução ainda fica a dever ao Estado 3 899 999 920 euros e aos bancos 899 999 980 euros que deverão ser pagos pelos impostos da banca ao longo dos anos. Se o Estado, como cenário meramente hipotético, entender que o Banco vale 4,9 mil milhões de euros, paga esse valor ao fundo de resolução e o fundo de resolução paga ao Estado o que lhe deve e aos bancos o que lhes deve e fica a zeros, sem dívidas e a receber, anualmente, os impostos dos bancos. Evidentemente, o Banco vale apenas uma parcela desse valor, sendo que o restante terá de ser assumido como perda do Fundo de Resolução, que terá de pagar com o imposto que os bancos lhe vão pagando anualmente. A forma de melhor salvaguardar o interesse público é, portanto, pagar o mínimo possível pelo Novo Banco, mas ficar com ele. Porque a opção contrária, é um privado pagar o mínimo possível e ficar com o banco que pode render, como acabámos de ver, muitos lucros por anos para quem o comprar.

O Estado pode comprar o Novo Banco por 1 euro, se quiser, e isso não invalida o facto de o Fundo de Resolução continuar a dever-lhe 3,9 mil milhões de euros, menos um euro. Mas como esse euro que o Estado paga fica no Fundo de Resolução, que é uma entidade pública cujas contas consolidam nas contas públicas, a operação continua a ser neutra no longo prazo.