Bolseiros e o interesse nacional

Nacional

O investimento público em Ciência e Tecnologia em Portugal conheceu um máximo durante o ano de 2009, apesar de nunca ter atingido o valor da propaganda do Governo de Sócrates e do Ministério de Mariano Gago que ostentava bandeiras de 1% do PIB em cada discurso. Essa mentira foi difundida com estonteante intensidade, não tendo contudo em momento algum a despesa pública em I&D ter ultrapassado 0,72% do PIB. Mesmo que tenhamos em conta a execução orçamental das Instituições Privadas sem Fins Lucrativos e assumamos que toda a sua despesa é financiada pelo Estado (e não é), juntamos 0,14% do PIB para o mesmo ano de 2009 e chegamos a um valor de Despesa pública 0,86%.

A despesa pública em I&D começa a cair, ao contrário do que se pensa, ainda com o Governo PS, em 2010. Em 2011 e 2012, pelo que se pode conhecer, essa queda mantém um ritmo relativamente estável (de 2009 para 2010 cai 5%; de 2010 para 2011 cai 7% e de 2011 para 2011 cai 2%). Ou seja, a política de desinvestimento e de corte é transversal ao mandato de PS e de PSD/CDS. No entanto, e ainda sem os dados de 2013 e de previsões certas para 2014, tudo indica que mesmo o esforço (não tão grande quanto necessário) realizado pelo orçamento do estado em 2009 tenda agora a ser completamente desperdiçado pela queda vertical do nível de financiamento público.

Diz-nos Pires de Lima, ministro portador do mais saudoso património ideológico do fascismo, que é preciso cortar porque a Ciência em Portugal não está ligada às empresas. O que este administrador de grandes empresas, agora ministro, esquece é que se existe investigação e desenvolvimento em Portugal, se existe trabalho de Ciência e Tecnologia, se há patentes, se há publicações, se há participação em projectos internacionais, tudo isso se deve ao gigantesco trabalho e esforço público que alimenta o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e ao esforço público. E o esforço privado? O esforço privado foi sempre residual, tendo tido um desenvolvimento extraordinário entre 2005 e 2007, passando de 0,25% do PIB para 0,50%. E que representou, efectivamente, essa intensificação do investimento privado em I&D?

O que é preciso dizer a Pires de Lima, entendido em Ciência e Tecnologia, é que o problema português não é o Estado e o Ensino Superior terem investigadores, técnicos, bolseiros, investigação e desenvolvimento a mais. O principal problema é o sector privado ter investigadores, investigadores, técnicos, investigação e desenvolvimento a menos. E a solução não passa, como tem passado até aqui, pagando com dinheiro do estado o salário dos doutorados nas empresas privadas e atribuindo benefícios fiscais a instituições privadas que declaram investimento de milhões em I&D sem que tenham sequer doutorados ou tenham muito poucos nos seus quadros. Por exemplo, as empresas que mais investem em I&D em Portugal são a Portugal Telecom, a Bial, a Nokia, a Sonae, o Millennium BCP e o Grupo Mello. Mas não deixa de ser curioso verificar que a Telecom declara 208.225.166€ em despesas de I&D, mas tem apenas 4,5 doutorados (em equivalente tempo integral) nos seus quadros. O Millennium BCP declara 40 milhões de euros em I&D, mas tem apenas 1 doutorado (ETI) nos seus quadros. Mesmo a Bial declara 55,5 milhões de euros, mas apenas tem 17,1 doutorados (ETI) nos seus quadros. A Nokia, por exemplo, cujo número de patentes registadas por trabalho realizado em Portugal desconheço, apresenta uma despesa em I&D de 50 milhões de euros e declara ter 757 trabalhadores (ETI) em tarefas de I&D, sem que disponibilize dados sobre quantos desses trabalhadores são efectivamente investigadores e quantos são doutorados. Também o grupo BPI apresenta uma despesa de 18 milhões de euros, em nono lugar da tabela, e diz ter 232 trabalhadores (ETI) em tarefas de I&D, sem declarar um único investigador ou um único doutorado. O Grupo Secil apresenta uma despesa em I&D de 14 milhões euros, declara 89 trabalhadores (ETI) em tarefas de investigação e desenvolvimento e 0 (zero) doutorados.

Pires de Lima conhece bem a Unicer Bebidas de Portugal SGPS S.A. e sabe que não é diferente. A Unicer surge em 10º lugar na tabela das empresas que mais investimento fazem em I&D com 15 milhões de euros declarados e 32 trabalhadores (ETI) afectos a tarefas de I&D. Mas essa mesma Unicer declara que tem nos seus quadros dois doutorados (ETI).

O que Pires de Lima, PSD e CDS querem é aprofundar o caminho iniciado por Mariano Gago, subordinando cada vez mais a produção científica e tecnológica e a orientação da política de I&D ao mercado privado, ou seja, colocando toda a I&D nacional nas mãos desses grupos económicos que usam a C&T única e exclusivamente para melhorar os seus lucros.

O que o Governo pretende na realidade, não é uma ligação entre o aparelho produtivo, as empresas, e o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, mas uma total dependência deste Sistema dos monopólios. Porque uma efectiva ligação entre o tecido científico e o tecido empresarial, que não apenas as grandes empresas, não se faz apenas com o estímulo à contratação de doutorados e à despesa privada em I&D. Faz-se também com a ligação entre o tecido produtivo local e regional às instituições de ensino superior; faz-se também através da existência de uma plataforma rotativa entre Estado e Indústria, por via da inovação.

No entanto, as instituições de ensino superior vêem-se incapazes de recrutar o pessoal investigador necessário e agora limitadas no número de bolsas de investigação para colocar nas unidades de investigação e desenvolvimento e a única plataforma rotativa para a inovação que existia em Portugal, o INETI, foi destruída pelo Governo PS, pulverizando o saber acumulado e concentrando apenas parte desse saber no LNEG, agora completamente esmagado pelas insuficiências orçamentais, humanas e da infra-estrutura.

A diminuição do número de bolsas de investigação individuais, mesmo que compensada por bolsas afectas a programas doutorais, não resolverá nenhum dos problemas com que o país se confronta em matéria de C&T. Não só não resolverá, como agravará. E a questão não se prende apenas com a vida dos bolseiros, não apenas com os seus direitos. A questão é mais funda e prende-se com a soberania nacional, prende-se com a estratégia, o bem-estar e o desenvolvimento nacional.

A diminuição do número de bolsas e a consequente redução do número de trabalhadores científicos em Portugal agrava um problema estrutural do nosso SCTN que tem uma carência de meios humanos gritante, principalmente no que toca a técnicos e técnicos superiores, mas também de investigadores. A opção pela bolsa como instrumento de exploração e precariezação dos trabalhadores científicos foi sempre criticada pelos comunistas e pelos próprios trabalhadores. É importante assegurar a integração dos trabalhadores no sistema e combater, com todas as nossas forças, a propaganda da classe dominante, tantas vezes infiltrada entre os próprios trabalhadores, que consiste em valorizar a precariedade como estímulo à excelência e à produção científica. O próprio Conselho Nacional de Ciência, órgão todo nomeado pelo Governo e centrado nos nichos de luxo da ciência realizada em Portugal, estimula a precariedade e a própria comunidade científica fica muitas vezes retida na teia de armadilhas lançadas pelos grandes grupos económicos, acabando por valorizar a ausência de tenure como instrumento para promover o mérito. Não é verdade que um trabalhador sem vínculo seja mais produtivo que um trabalhador com vínculo, em nenhuma área de actividade, mas é verdade que o primeiro é ainda mais explorado do que o segundo.

A luta pelo sistema científico e tecnológico nacional, a luta por uma política de Ciência e Tecnologia ao serviço do povo e do país, dirigida a todo o tecido empresarial e industrial, público ou privado, e não apenas nas mãos dos monopólios é a luta por um Estado de Abril, por um Estado liberto das garras e da voragem dos grandes grupos económicos.

Hoje, agora, essa luta é a luta contra a troica doméstica PS, PSD e CDS e da troica ocupante FMI, BCE e UE.

Mas hoje e no futuro, é a luta pelo socialismo, pela colocação dos meios de produção ao serviço do bem-estar colectivo, do desenvolvimento económico e social, para todos, controlado por todos.