Temas fracturantes (para a coerência)

Nacional

Hoje à tarde ouvi o BE a defender no parlamento exactamente o que eu penso sobre a adopção e co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo: que os direitos fundamentais não se referendam. No entanto, não consigo evitar uma sensação de estranheza… não foi este o mesmo BE que eu vi em 2006 a defender e votar a favor da celebração de um referendo à interrupção voluntária da gravidez? Nesse ano, o PCP e os Verdes foram os únicos a dizer claramente o que agora o BE apregoa como axioma político.

Recordo que em 2006, não só o BE votou a favor da realização do referendo, como teceu elogios a essa solução, classificando-a como “uma circunstância política vantajosa para a democracia”. Então fica a pergunta: será o direito à adopção mais fundamental que o direito das mulheres a decidir sobre o próprio corpo? Será o útero das mulheres mais público e referendável que o amor e a família de cada um?

Parto do princípio que todos os bloquistas me diriam que não, mas a evidente contradição não traduz apenas uma atroz amnésia política nem é só um problema semântico. Insere-se num padrão de incoerências que desde sempre e de cisão em cisão persegue o Bloco de Esquerda. Historial que faz do acto de confiar neste partido um jogo de roleta russa: confiar no Bloco que critica a guerra do Iraque pode ser confiar no Bloco que apoia a guerra na Líbia; confiar no Bloco que se opõe aos empréstimos da Troika a Portugal pode ser confiar no mesmo Bloco que os defende para a Grécia; confiar no Bloco que elege para a Esquerda Unitária Europeia pode ser confiar no Bloco que acaba no Grupo dos Verdes Europeu; confiar no Bloco de Esquerda que diz que o Zé faz falta a Lisboa pode ser confiar no Bloco de Esquerda que acha que o Zé faz mal a Lisboa.