Quem dá mais?!

Nacional

Até hoje, o BPN, já consumiu mais de 4 mil milhões de euros do trabalho dos portugueses. Esse mesmo BPN foi vendido pelo Estado português por 45 milhões de euros, cerca de um 1% do valor que o Estado aplicou para cobrir os “activos tóxicos” dos criminosos do PSD que roubavam os portugueses nas barbas do Banco de Portugal presidido pelo PS. A dimensão dos crimes cometidos pelos administradores do BPN, bem como a cumplicidade dos accionistas da Sociedade Lusa de Negócios jamais será conhecida num país em que os dois partidos envolvidos dominam o Estado em nome dos grandes grupos económicos que dominam as nossas vidas e a nossa economia.

Se o que sucedeu no BPN foi um crime, cujos culpados nunca pagarão, a “nacionalização” do prejuízo do BPN foi um crime ainda maior, aprovado por larga maioria na Assembleia da República com os votos favoráveis do PS, do PSD, do CDS e, em algumas alíneas, do BE.

Exigia-se, se o colapso do banco realmente colocasse em causa o sistema financeiro, a nacionalização de toda a sociedade financeira, assim obtendo os lucros para saldar os prejuízos. A importância do sistema financeiro para a economia nacional, para os partidos da burguesia, acaba onde começa o poder dos monopólios e dos senhores do dinheiro.

Nas contas entre os criminosos, nos acertos entre branqueadores de dinheiros, traficantes, especuladores, corruptos e outros dignos representantes da elite capitalista mundial, acabou por ir parar às mãos do BPN uma colecção de oitenta e cinco trabalhos de Joan Miró.

Sim, esse Joan Miró!

O Estado Português adquiriu, ainda que num pacote venenoso, uma magnífica apesar de parcial compensação. Oitenta e cinco obras de Miró, que percorrem sete décadas da sua actividade artística e perpassam várias técnicas. É uma colecção de relevo extraordinário e uma das mais abrangentes. Foi parte de uma colecção maior, que estava nas mãos de alguém no Japão e as terá usado para saldar dívidas, dividindo-a em três. Uma está na Fundação Miró e outra algures nos Estados Unidos. Esta é uma das terças partes dessa colecção. O Estado Português teve-a à sua guarda desde 2008. Há cinco anos que a tem escondida num cofre da Caixa Geral de Depósitos, sem que nunca sobre essa colecção tenha solicitado inventariação, estudo ou sequer a tenha partilhado com a comunidade artística e académica nacional. Esteve ali, escondida, como quem esconde do povo o Saber e a Cultura para garantir a submissão.

O Estado Português anuncia em plena época festiva do natal, a alienação da obra, não sem antes garantir que antes do anúncio já estaria o conjunto de obras nas mãos de um leiloeiro em Londres e firmados compromissos para alienar a colecção em leilão distante do povo português, não fosse alguém lembrar-se de protestar a opção.

O valor artístico e cultural da obra preenche certamente os requisitos para que possa ser classificada e tratada com património cultural, digno de protecção e valorização, mas a comissão de negócios do grande capital que ocupa os lugares do Governo da República está empenhada em que tal nunca suceda para não retirar do ciclo da especulação os milhões de euros que pode significar a reinserção destas obras no mercado de valores mobiliários.

Milhares de portugueses subscreveram a petição contra a alienação dos trabalhos de Miró e os ecos dessas movimentações vão além da imprensa nacional. Mais aqui, aqui  e aqui. Claro que a imprensa nacional tudo faz para esconder quem levou o assunto à Assembleia da República, como bem se vê no título da notícia d’A Bola, mas o que importa é que se trave mais esta talhada no património cultural.

Quem nos quer submissos, querer-nos-á sempre incultos. Dizia-me ontem o Carlos Cabral Nunes que a arte tem a capacidade de gerar “inquietação”. E que pode gerar essa inquietação e tocar-nos, independentemente do nosso estrato, classe social, ou formação cultural. “Que depende da nossa sensibilidade”, assim mo dizia. E disso não me restam dúvidas. E disso sabe igualmente o Governo que pretende que apenas possa dar-se ao luxo de conhecer as obras de Miró quem tenha o dinheiro para as visitar numa galeria de luxo, para que não vá o povo alimentar essa sua sensibilidade e ver-se capaz de ganhar qualquer espécie de inquietação, porque o povo quer-se é muito quietinho.

E assim se esvaem as nossas riquezas, as que o nosso trabalho produz ou adquire e assim se entrega um país inteiro à voragem das corporações, da especulação, por um “quem dá mais?” em que o “mais” nunca virá parar às mãos de quem perdeu a riqueza.