Eles moem e matam

Nacional

“Eu vou dar-lhe os números”. Foi desta forma que Paulo Macedo respondeu numa audição parlamentar, pedida pelo PCP, sobre o estado das urgências. O agendamento teve de ser potestativo para que Paulo Macedo se dignasse a ir ao Parlamento dar explicações aos deputados. De outro modo, continuaria calado, mudo, que é como eu o ouço quando vem com as frases feitas que ouvimos todos os dias do gangue de criminosos que nos governa. “Eu vou dar-lhe os números”, disse ele. Entretanto, as urgências continuam caóticas. Os tratamentos para o cancro em modo de espera e o medicamento para a hepatite C está a ser sonegado a cerca de 4.000 pessoas que dele necessitam para sobreviver.

Se é inegável que a indústria farmacêutica funciona numa espécie de máfia, talvez o lobby mais poderoso dos nossos tempos, a verdade é que morreu uma doente com hepatice C que poderia ter sido salva. O governo está a negociar, ao que parece, porque o fármaco custa 40.000 euros.

Seria importante saber a partir de que valor o governo considera que vale a pena salvar uma vida. 40.000 euros, pelos vistos, é demasiado. Assim, deixou morrer. Dito de outra forma, matou. Matou aquela mulher como matou muitos outros que chegam ao SNS depois de contarem os tostões para saber se podem pagar as taxas moderadoras. E demasiado tarde, com certeza, não raras vezes.

“Eu vou dar-lhe os números”, disse o Paulo Macedo, que continua ministro. O ministro de um governo que faz tanta questão de assinar de cruz tudo o que a Troika mandou, de braço dado com o PS, está agora a negociar a vida das pessoas. Contas feitas por alto, de acordo com o governo, para os 4.000 seres humanos que precisam do medicamento, incluindo os cerca de 160 que precisam dele urgentemente, 16.000.000 de euros é um preço demasiado alto. São 16 milhões de euros, 1000 vezes menos do que estamos a pagar para resgatar bancos, propriedade dos amigos dos sucessivos governos.

É evidente que é preciso encontrar forma de travar a indústria farmacêutica, que joga com a vida das pessoas da forma que for mais rentável. Mas isso faz-se consistentemente, com um plano de acção que não é só nacional, não se faz quando as pessoas estão a morrer porque o governo se recusa a dar-lhes assistência.

“Eu vou dar-lhe os números”, disse ele, com a maior naturalidade. O problema está aqui, como sempre esteve. Quando se fala de números há quem esqueça que estamos a falar de pessoas, de seres humanos, de gente que tem de ter acesso aos direitos mais básicos numa sociedade que se auto-intitula desenvolvida.

“Eu vou dar-lhe os números”, digo agora eu. Dou-lhe o 1.000. 1.000 vezes criminoso, 1.000 vezes incompetente, 1.000 vezes assassino.