K: Kim Jong-Un
A Coreia do Norte é tão inevitável numa entrevista a um comunista como o sol é na madrugada. Afinal, se esse regime é comunista, importa saber se os comunistas portugueses se revêem nele, certo? Errado. Isso seria o mesmo que perguntar a António Costa se se identifica com qualquer outro regime capitalista do globo, como Myanmar, a Arábia Saudita ou a Colômbia.
Quem quer construir o socialismo em Portugal responde sobre a Coreia do Norte o mesmo que, quem constrói o capitalismo em Portugal responderia sobre outros Estados capitalistas do mundo: somos diferentes, mas não nos imiscuimos nos assuntos internos de outros povos.
Nos nossos media, a Coreia do Norte não é um Estado socialista, mas o reino de fantasia onde reina um vilão dos filmes de James Bond. A julgar pelas notícias, os coreanos do Norte acreditam em unicórnios, são obrigados a usar o penteado de Kim Jong-Un, os opositores são devorados por cães, os líderes podem teletransportar-se e o povo tem de comer neve para sobreviver.
A narrativa dominante sobre a Coreia do Norte foi tão poluída por transcrições acríticas, tão fantásticas como caricaturais, de duvidosos dissidentes e jornais satíricos, que questionar a fiabilidade das notícias dos “media sul coreanos” sobre os executados com mísseis antiaéreos equivale a ser um fã da família Kim, mesmo quando os alegados executados depois aparecem ressuscitados. Ainda assim, ser contra a invasão da Coreia e o sufocamento do seu povo não é propriamente o mesmo que querer copiar o seu sistema político e colá-lo em Portugal.
A realidade da Coreia do Norte é bem mais complexa: depois do longo crime contra a humanidade que foi a ocupação japonesa, os EUA vieram largar 635 000 toneladas de bombas sobre o território, matando cerca de 1,5 milhões de pessoas, 15% da população, e destruindo todos os edifícios do país. Desde então, a nação tem estado submetida a uma gigantesca pressão militar, política e económica que contribuiu muito para o actual isolamento. Querer comparar os comunistas portugueses aos socialistas coreanos é tão imbecil como comparar esta história da Coreia à de Portugal.
Quão racista é preciso ser para achar que o povo coreano é tão acéfalo que se deixa oprimir há 73 anos sem oposição interna e resistência, levantamentos, insurreições nem manifestações prontamente reprimidas? Quão arrogante é preciso ser para acreditar que é possível manter de pé, durante 73 anos, um Estado na mira dos EUA e da NATO sem qualquer apoio popular e só pela repressão?
Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um instrumento rápido para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.
18 Julho, 2021 às
Aquilo que eu queria dizer, já está descrito no texto acima exposto.
11 Julho, 2021 às
Gostei muito do conteúdo deste tema, por isso o partilhei, parabéns!!