Moedas para a Ciência, Investigação e Inovação

Nacional

Infelizmente o título não se refere a um reforço do financiamento para a Ciência, mas antes à nomeação de Carlos Moedas para Comissário Europeu para esse pelouro. Moedas tem um currículo revelador: trabalhou para a Goldman Sachs e para o Deutsche Bank. Até recentemente era Secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho tendo sido um dos representantes nos encontros com a Troika. Embora licenciado em Engenharia Civil, todo o seu restante percurso foi na área da Gestão e Finanças.

Moedas fez parte de um governo que aplicou as medidas de austeridade e cortes orçamentais ao Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), gerido mais directamente pelo Ministro Nuno Crato e o director da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) Miguel Seabra. Só nos últimos dois anos, este governo aplicou cortes significativos ao financiamento dos projectos de investigação, às bolsas de investigação, às unidades de investigação e às universidades públicas (onde se realiza uma boa parte da investigação científica em Portugal), deixando o SCTN por um fio, e efectivamente deixando unidades de investigação e áreas de investigação científica asfixiadas. Acresce que todos os concursos para financiamento ficaram marcados por alterações a meio do processo, falta de transparência e arbitrariedade.

Veja-se o processo em curso de avaliação (e financiamento) das unidades de investigação, que deixou metade delas sem financiamento ou com um financiamento que mal garantirá o seu funcionamento mínimo. O processo está revestido de tantos problemas que foi alvo de críticas por parte do Conselho de Laboratórios Associados, das Sociedades Portuguesas de Física, Química, Matemática e Filosofia, de Reitores das Universidade Públicas (incluindo um pedido de suspensão por parte do Reitor da Universidade de Lisboa), dos sindicatos dos professores e investigadores, da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) e dos próprios Conselhos Científicos da FCT. (vejam alguns dos comunicados no blog de rerum mundi.) Este concurso aliou a fixação de uma quota de unidades a receberem financiamento (algo que Crato teima em não admitir) com a política da excelência. Esta palavra é chave. É daquelas que precisam de aparecer em todos os discursos para dar um ar de modernidade. Mas a combinação destes dois elementos (quotas e “excelência”) levou unidades de investigação a descerem de qualificação (desde a última avaliação em 2007, avaliação que recebeu elogios de boa parte da comunidade científica) sem qualquer justificação tangível. É um termo que não é exclusivo do nosso governo, mas está presente em todos os discursos neo-liberais relativos à ciência, pela Europa fora. O seu uso na Grã-Bretanha levou a uma resposta por parte do físico inglês Jon Butterworth ao estilo da excepcional série “Sim Sr. Ministro”:

Diz o Ministro: “claramente só devemos financiar a excelência. É inescusável financiar algo que esteja abaixo da média.” Responde o eficaz e e experiente funcionário: “Com certeza, Sr. Ministro. E devemos monitorizar anualmente. E sempre que houver algo abaixo da média, devemos cortar o seu financiamento”. Aplicando esta “lógica” vai-se progressivamente desviando a distribuição de qualidade no sentido da (relativa) excelência, mas deixando sempre, pela força dos números, uma parte abaixo da média, considerada como medíocre. No limite, ficará apenas uma unidade, que sendo igual à média será… medíocre. O que não é excepcional não é medíocre! Sobretudo se a excepcionalidade é aferida por critérios que não é justo aplicar de igual forma a todos os países, a todas as áreas científicas. Se acham que exagero, vejam que a classificação de uma unidade de investigação como “Boa” significa que irá receber um financiamento de 5 mil a 40 mil euros anuais, o que mal dá para manter alguns centros abertos, quanto mais em condições para poder realizar trabalho que lhes permita no futuro melhorar sua avaliação. Para procurar apaziguar estas unidades, Crato anunciou que haverão seis milhões de euros a distribuir pelo 154 centros arredados da segunda fase. Isto repartido valerá de pouco. E isto sucede quando o governo recapitalizar o BES com 4,4 mil milhões de euros com dinheiros públicos.

Esta política de austeridade aplicada à ciência vem reverter, se não mesmo anular, melhorias no SCTN verificadas entre 1995 e 2011: aumento no número de doutorados; aumento da produção científica e da sua qualidade; subida no investimento público e das empresas. (Não pensem porém que estou a fazer uma apologia da política científica dos governos PS sob a batuta de Mariano Gago. A verdade é que ficamos ainda muito aquém das metas e das necessidades, e Gago foi o responsável por um SCTN assente na precariedade, incluindo o abuso da figura de bolseiro, e reformas e cortes sucessivos nos Laboratórios do Estado, guiando-os para a guilhotina, enfiando-lhes a cabeça, e faltando apenas deixar cair a lamina, algo que o governo de Passos Coelho está em processo de fazer, como o é o caso do  Instituto de Investigação Científica e Tropical).

Moedas terá cerca de 80 mil milhões de euros até 2020, um dos maiores programas orçamentais da Comissão Europeia, mas como aponta o PCP:

Agrava-se crescentemente o chamado fosso científico e tecnológico no seio da União Europeia. Países como Portugal continuam a comprimir o investimento nestas áreas e a verem reduzida a fatia do orçamento da UE de onde saía, até agora, a maioria dos recursos afectos à CT&I: os fundos estruturais e de coesão. Isto ao mesmo tempo que aumentou significativamente a dotação do Programa-Quadro de Investigação, o Horizonte 2020 – um programa que serve sobretudo os interesses das grandes potências e de algumas das suas grandes empresas e unidades de investigação, que absorvem o grosso dos recursos, e do qual Portugal é hoje contribuinte líquido, não conseguindo absorver sequer as verbas com que contribui.

O actual governo tem, também na área da Ciência e Investigação, promovido a emigração, de quadros formados com custos pelas famílias, com dinheiros públicos, quadros especializados que fazem falta para o desenvolvimento da economia nacional. Jovens que partem procurando prosseguir a sua carreira científica e não têm perspectivas de algum vez poderem voltar. No âmbito da ciência, a conversa sobre emigração é um pouco perniciosa, pois é verdade que ir para o estrangeiro, trabalhar junto de cientistas e laboratórios estrangeiros valoriza uma carreira científica, e poderia valorizar o sistema nacional se esses investigadores tivessem condições para regressar. Mas no actual contexto, esta emigração, como para a maior parte dos outros emigrantes, não é uma opção voluntária, é uma necessidade. É uma emigração que constituiu não só um ataque para muitos jovens, como um desperdício para o país e o hipotecar do SCTN e da possibilidade de desenvolvermos a economia nacional.

* Autor Convidado
André Levy