Morreu-nos a Odete

Nacional

Morreu-nos a Odete e isso não é dizer pouco. Membro do PCP desde o ano da Revolução de Abril, que nem semente vermelha que veio para crescer e fazer crescer, deu um corajoso contributo para a luta do povo português.

Tornou-se, enquanto deputada comunista, num rosto e numa voz incontornáveis do Partido da classe trabalhadora. A generosidade e frontalidade com que enfrentava os adversários políticos e ideológicos impunham o respeito que apenas as palavras sobre a crua verdade da vida de cada um conseguem.

Figura inesquecível da vida política do país, a Odete era, em toda a latitude, uma mulher comunista, adjectivos que representava de cabeça erguida. Inevitavelmente, ficará para sempre interligada à defesa da dignidade das mulheres, nomeadamente no que aos seus direitos reprodutivos diz respeito.

Não só porque enquanto deputada marcou a história legislativa com uma corajosa e longa intervenção a favor do direito ao acesso em segurança à interrupção voluntária da gravidez, como também pelo seu exemplo combativo, a forma de estar e de se entregar ao seu Partido, às mulheres, ao povo português.

A Odete era intensa e clara nas palavras, nas acções, na presença. Representou e, diria até, reconfigurou a imagem das mulheres comunistas: nos órgãos em que estão eleitas, no Partido, nas ruas, no trabalho, na vida.

Não serei a única a quem, ainda muito jovem, familiares e amigos diziam, ao saber que me tinha inscrito na Juventude Comunista Portuguesa, “vais ser a próxima Odete Santos”.

Hoje, perdoo-lhes a ignorância face aos inúmeros outros exemplos de mulheres comunistas que, com a sua coragem, ainda que grande parte delas num anonimato fora da história do PCP, construíram Portugal democrático.

No entanto, e embora duvide que alguém possa, em bom rigor, aspirar a ser uma Odete, é com orgulho que recordo esses comentários, porque ter a Odete como inspiração resulta numa caminhada gloriosa pela vida.

Será, assim, longa a vida da nossa Odete Santos, que hoje partiu mas que não nos deixará jamais, porque quiseram as circunstâncias que fosse a menos anónima das mulheres comunistas.

Um exemplo de resistência, dignidade, generosidade e sensibilidade, alinhadas numa coluna vertebral hirta e cheia de ramos floridos, que nos deram tantas flores quantos versos declamou sempre que tinha oportunidade. Odete sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada.

Pois que, ainda que cansada, subiu e desceu, com um coração que teimou sem medo. Até sempre.

À Odete:

“Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada”.

Excerto da Calçada de Carriche, de Antonio Gedeão

2 Comments

  • Manuela Almeida

    3 Janeiro, 2024 às

    Grande inspiração.ODETE Tenho saudades de te ouvir e te ver..
    É com lágrimas nos olhos que me despeço de ti Um CRAVO VERMELHO
    e um grande abraço.
    Até sempre ❤️ camarada😪

  • António José Rodrigues

    28 Dezembro, 2023 às

    Inesquecível e agora sempre saudosa camarada.

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