Não ceda um Metro

Nacional

Na próxima 6a feira haverá nova greve dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa. Nova batalha numa luta que dura há anos e, contrariamente ao que por vezes se proclama, tem tido sucesso, pois não fosse esta luta, o processo de subconcessão do Metro há muito teria avançado.
Uma luta árdua destes trabalhadores em defesa das suas condições de trabalho e pelo cumprimento do Acordo de Empresa, em defesa de um transporte público de qualidade e dos interesses dos seus utentes. Sim, em defesa dos seus utentes!

¿É razoável que face a uma greve dos trabalhadores de um serviço público de transportes, que um utente, também trabalhador, reaja reflexivamente contra membros da sua própria classe social, queixando-se que vê a sua ida para o emprego perturbada? Que desconfie logo dos motivos de greve, falando até em defesa de “privilégios”? Ou que nem procure informar-se destes mesmos motivos? Que num patente conflito entre trabalhadores e administração, tome o lado da Administração e culpabilize os trabalhadores por “insistirem” numa forma de luta, consagrada na Constituição? (Um direito que um dia poderão ser forçados a usar para salvaguardarem o seu emprego.) Que um utente, depois de se ter queixado da subida do preço dos títulos de transporte e das avarias e das carruagens pejadas, persista em ignorar como é justamente a má gestão da Administração a principal responsável pela quebra de qualidade?

Tudo isto não surpreende, mas tão pouco é racional. Ou só será na medida em que se partem das premissas de que na sociedade cada um defende o seu, que os sindicatos e partidos são todos uns gatunos, mas uma administração privada — cujo único mandato é a obtenção de lucro — é de confiança e será mais eficaz que uma gestão pública ao serviço do interesse dos cidadãos. Importa por isso lutar lado a lado com os trabalhadores e fazer o trabalho difícil de contrariar instintos selváticos com informação e argumentos.

O Governo já anunciou que a subconcessão do Metro e Carris será atribuída ao grupo espanhol Avanza, por usa vez detido pelo grupo mexicano ADO, segundo o Diário Económico “o maior operador privado de transporte rodoviário público em Espanha”. (É sempre irónico como num sistema que onde a competição é endeusada,  é patente o processo de concentração e criação de monopólios, privados claro.)

Repare-se que neste contexto se fala de “subconcessão” e não privatização. Isto porque estas empresas públicas de transporte não irão ser vendidas, mas a sua exploração vai ser subconcessionada a uma empresa privada. Qual a experiência neste tipo de transacção? Não é preciso ir muito longe.

Basta consultar a recente “Carta Aberta ao Tribunal de Contas” elaborada pela FECTRANS (Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações). Este documento alerta para «um conjunto de operações que provocarão impactos dramáticos sobre as contas públicas», incluindo o Metro e Carris, a TAP, a EMEF e CP Carga, a Transtejo e Soflusa. E começa por analisar o caso do Metro do Porto, que desde o início da sua operação funciona, precisamente, como subconcessão de uma empresa pública a uma empresa privada. Um modelo que «criou uma situação onde a dívida pública é de 3,220 milhões de euros (sim, três mil duzentos e vinte mil milhões, não falta nenhuma virgula [sic]), tendo a Empresa Pública assumido encargos financeiros superiores a 2,473 milhões de euros nos últimos 10 anos fruto de uma situação completamente insustentável onde o serviço directo da dívida já mais que duplica o total das receitas operacionais.» Uma proveitosa repartição de custos e lucros, onde o Estado arrecada com os prejuízos, e o gestor privado arrebanha os proveitos. Em 2014, o subconcessionário, o Grupo Barraqueiro, embolsou €50 milhões, embora a receita gerada tenha sido de 39,3 milhões. Há algo errado nestas contas, não?

O que o Governo pretende aplicar agora em Lisboa é o mesmo modelo, mas alargado. O Governo prevê pagamentos até 230 milhões de euros por ano ao concessionário privado da Carris e Metro. Ou seja, a empresa pública irá pagar às subconcessionárias privadas mais do que alguma vez receberam de Indemnização Compensatória do Estado. A «Carris e o Metro de Lisboa receberam 0 (zero) de Indemnização Compensatória em 2015, mas em 2016 estas empresas irão pagar 230 milhões ao concessionário privado (mais cerca de 50 milhões que o total de receitas arrecadadas).» Se o Estado pagasse tais quantias às actuais empresas públicas estas gerariam resultados operacionais positivos de muitos milhões de euros. A balela que as “empresas públicas não podem dar lucro, há que privatizar” é uma profecia garantida pelas políticas de Direita, que não está disposta a dar dinheiros públicos a uma empresa quando esta é pública, mas é mãos largas quando esse dinheiro é para oferecer aos privados.

Mas o Diário Económico informa que «No conjunto dos oito anos de concessão, a poupança prevista [ao Estado] será de 215 milhões de euros.» Pois, mas para entender esta contabilidade criativa é preciso analisar o Caderno de Encargos da Subconcessão do Metro. Esta subconcessão implica o desmembramento da empresa. De fora fica, por exemplo, a remodelação e expansão da rede do Metro, e a manutenção do Material Circulante. Só com prestidigitação é possível convencer alguém que este negócio irá diminuir as receitas para o Estado. Ora leiam:

A Empresa Pública, Metropolitano de Lisboa, E.P.E., fica apenas com parte da receita resultante da venda dos títulos de transportes, perdendo as receitas indirectas, resultante do aluguer de espaços comerciais e publicidade. Em contrapartida, ganha novos encargos — o pagamento à subconcessionária pelo serviço da operação Metro — e mantém outros muito significativos, como sejam a manutenção do Material Circulante, os investimentos da expansão da rede e as remodelações de túneis e estações, o pagamento da dívida acumulada e dos encargos correspondentes. A estas despesas  somam-se ainda as que resultam dos encargos de estrutura de gestão e fiscalização dos contratos de subconcessão e as que o próprio Estado definiu: pessoal e complementos de reforma. (Análise ao Caderno de Encargos, p.34) Já a subconcessionária tem lucro garantido pelas cláusulas sobre a reposição do Equilíbrio Financeiro. É razoável esperar que uma empresa privada procure investir em melhorar os serviços, sem ter incentivo financeiro? Pelo contrário, não é incentivada a evitar que estes se deteriorem, pois tem, feitas as contas, 95% das receitas garantidas pelo Caderno de Encargos.

E mais, até tem imunidade face aos efeitos de uma eventual greve: caso uma greve venha a decorrer, ela é tratada como uma situação de «força maior», como um tremor de terra, um percalço alheio à administração. «Ou seja, se os trabalhadores da empresa privada fizerem greve será a empresa pública a suportar os custos dessa mesma greve.»

Assim, sexta-feira, quando alguém se queixar de perder tempo no trânsito por causa da greve, expliquem que a greve decorre para que o país e os seus cidadãos não percam o seu património material e humano, um serviço público, e não estejam mais uma vez a forrar os bolsos de uns quantos à conta do erário público e dos trabalhadores. Tenham consciência de classe.

* Autor Convidado
André Levy