Tempo de avançar, livre de representatividade

Nacional

Talvez que 7.500 assinaturas seja um número demasiado elevado para constituir um partido político. Se as compararmos com as 35.000 necessárias para apresentar na Assembleia da República uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, o número é ainda mais estranho. Talvez que o certo fosse ao contrário. Talvez que o mesmo, mesmo, mesmo certo fosse tirar 30 mil à ILC e manter as 7.500 onde estão. Talvez.

Certo é que não me parece muito democrático, diria até que não é racional e lógico, que um conjunto vastíssimo de ideias e propostas programáticas possam ver a luz do dia em forma de partido com 7.500 assinaturas e uma proposta de lei cidadã sobre um tema específico a ser escrutinado na Assembleia da República necessite de 4,6666666 vezes mais assinaturas.

É de representatividade democrática que falo. De adequar a realidade política de um país onde muitas pessoas se colocam aparte dos processos de decisão à possibilidade que alguns grupos extremamente minoritários de cidadãos têm, aproveitando a ausência de intervenção da maioria, de se fazer representar nos mais diversos fóruns e sob as mais diversas formas sob uma capa de verdadeira representatividade.

Vem este relambório a propósito dos resultados das primárias do LIVRE/Tempo de Avançar.

Voltemos aos números. De um universo de cerca de 8 mil votantes registados, acabaram por votar no fim de semana passado – sim, urnas abertas em dois dias diferentes – 2.197 pessoas. Sim, os candidatos a deputados à Assembleia da República que o LIVRE/Tempo de Avançar vai apresentar em Setembro/Outubro, foram decididos por 25% das pessoas que se inscreveram nestas eleições. As primárias. As tais que iriam devolver os cidadãos à participação política activa e abnegada.

Bem, para ser mais preciso, aos 2.197 votantes, há que retirar os 385 candidatos, contando que todos tenham ido votar. Portanto, podemos dizer que temos 1.812 pessoas a decidir os candidatos do LIVRE/Tempo de Avançar.

Deixo-vos uma pergunta de escolha múltipla.

Pergunta: Qual é mais democrático e representativo?

Hipótese A: Um partido em que 1.812 pessoas decidem quais serão os seus candidatos nas eleições através de um voto em eleições primárias? Sendo que cada um dos vencedores pode ter um programa de acção bastante diferente. Sim, li algumas das propostas dos candidatos do LIVRE/Tempo de Avançar e esta coligação permitiu nas primárias, por exemplo, um candidato que defendia a privatização da TAP e dos transportes públicos.

Hipótese B: Um partido em que todos os dias os seus militantes e apoiantes trabalham, reúnem, organizam ideias, estabelecem prioridades de acção, redefinem objectivos imediatos consoante as necessidades de cada momento, convocam e participam em acções de protesto, fazem chegar as suas preocupações aos seus eleitos e escolhem os seus candidatos de forma natural porque esta ou aquela pessoa, dentro do partido, se foi destacando em determinada área mostrando ser o militante mais apto, e isto é muito importante, para quando eleito, transmitir e tentar implementar da melhor forma as ideias e o projecto político do partido? E aqui já nem coloco em causa o número de militantes e apoiantes, tanto vale para os maiores como para os mais pequenos.

Reflictam. Mesmo. A resposta pode não ser óbvia. Sei lá. Pode haver alguma rasteira ou outro tipo de armadilha. Sei lá.

O presidente da comissão eleitoral das primárias do LIVRE/Tempo de Avançar justifica este número de votantes com o calor do fim de semana e com a novidade do processo. É caso para dizer que as papoilas tremem perante o sol e que o processo é tão mas tão novo e inovador, que a euforia de poder nele participar suplantou a pulsão de ir votar.

Num tom mais sério. Não me parece nada mal que quem assim o entenda decida criar um partido político. Mas certamente que é um pouco embaraçoso que um partido/coligação que se apresenta ao país como representante de um espaço que faltava ocupar – aliás de um espaço que era imperioso ocupar por representar um largo número de pessoas – e que como o partido/coligação iria devolver a política aos cidadãos, tenha apenas 2.197 pessoas a querer participar no seu mais relevante processo de decisão até agora. Um processo que mais se legitima quanto maior for a participação. Pior, que esse número represente 75% de abstenção interna.

Fiquem ainda com esta: e se a meio da legislatura, um deputado eleito pelo LIVRE/Tempo de Avançar tiver de renunciar ao seu mandato de deputado enquanto se discutir a nacionalização da TAP e, por causa da ordem na lista, o candidato que o substitui é o tal que defende a privatização da TAP?

Olha. Sei lá.

* Autor Convidado
André Albuquerque