Não há tom suficientemente escuro para contar esta página da História

Internacional

Em 10 de Maio de 1941, logo após a entrada em Zagreb das tropas nazis de Hitler, nasce o NDH(Nezavisna Drzava Hrvatska), o Estado Independente da Croácia, liderado por Ante Pavelic. Este Estado que englobava a totalidade da actual Bósnia-Herzegovina e praticamente toda a actual Croácia, seria tutelado a Norte pela Alemanha nazi e a Sul pela Itália fascista. Obedecendo politicamente, tal como na Alemanha nazi, ao princípio de um Fuhrer, sendo este por sua vez subordinado ao próprio Adolf Hitler.

No momento da invasão do Reino Jugoslavo, Hitler teve o apoio de um perigoso movimento interno já instalado na Croácia e apoiado pelo regime fascista de Mussolini, de cariz terrorista e filonazi, e até já acusado internacionalmente de tentativas de homicídio de diplomatas estrangeiros em França. Esse movimento filonazi e de forte cariz católico era o Partido Ustacha, de Ante Pavelic, que sonhava com uma Croácia católica livre da presença Sérvia ortodoxa.

É neste contexto, de ocupação nazi e de tomada do Estado, que o Cardeal Alojizje Stepinac é nomeado por Ante Pavelic Supremo Vigário Apostólico Militar do Exército Ustacha, facto muito exaltado pela imprensa católica da época “Deus que controla o destino das nações e dirige o coração dos reis, deu-nos Ante Pavelic(…)Glória a Deus, a nossa gratidão a Adolf Hitler e infinita lealdade ao Chefe Ante Pavelic”

Uma investigação da Comissão de Crimes de Guerra na Jugoslávia concluiu que o Cardeal Stepinac foi um dos conspiradores contra o Reino da Jugoslávia(pré-existente à implantação do NDH) e um apoiante ab initio da invasão nazi. O Cardeal Stepinac sonhava, tal como as altas instâncias católicas locais e do próprio Vaticano, com a edificação de um Estado católico nos Balcãs, e o fanatismo étnico-religioso do Partido Ustacha era o instrumento perfeito para esse objectivo.
Durante este período, o Papa, de então, recebeu pessoalmente Ante Pavelic e uma delegação da Irmandade dos Grandes Cruzados, encarregados de converter ao catolicismo os povos daquela região.

Durante os quatro anos de existência do NDH, o tal Estado Independente da Croácia, foram assassinados, por estimativas(estimativas que por definição já se sabe são imprecisas), cerca de 750mil sérvios, judeus, ciganos, entre outros, como os resistentes políticos. A par da Alemanha, a Croácia foi o único país que possuiu campos de extermínio em massa.

Contudo, e ao contrário da Alemanha nazi que perpetrava um extermínio industrial mas discreto, a Croácia Ustacha além dos seus campos de extermínio, cometia execuções colectivas em locais públicos da Croácia e da Bósnia, com particular sadismo e de forma entusiástica, recorrendo à tortura pública e à humilhação. Segundo o historiador Friedriche Heer tudo resultava a partir de “um fanatismo arcaico de épocas pré-históricas”, tendo Ante Pavelic sido “um dos maiores assassinos do séc.XX”.

No NDH, a confusão entre Estado e Igreja Católica, entre políticos, militares, cardeais e padres era total. As suas declarações demonstram grande complementaridade. O Cardeal Stepinac considerava que “depois de tudo, os croatas e os sérvios, pertencem a dois mundos diferentes, um polo norte e um polo sul, nunca se darão bem, nem por milagre de Deus”, já o Ministro da Justiça, o Ustacha Milan Zanitcha dizia que “Este Estado, o nosso país, é nosso e só nosso, não é para mais ninguém, limparemos dele todos os sérvios ortodoxos(…)Não ocultamos as nossas intenções, seremos fieis aos princípios Ustacha”, mas as palavras do Ministro da Educação Mile Budak conseguem ser ainda mais claras “A base do movimento Ustacha é a religião. Para as minorias como os sérvios, os judeus ou os ciganos temos três milhões de balas. Mataremos um terço da população sérvia, deportaremos outro terço e o outro terço converteremos na religião católica até que se assimilem como croatas”.

A ferocidade Ustacha era extrema e conseguia impressionar mesmo as altas patentes da Alemanha nazi, Reynard Heinrich(o inventor da “solução-final” nazi) em 17 de Fevereiro de 1942 escrevia a Himmler “o número de eslavos massacrados pelos croatas das formas mais sádicas está estimado em 300mil(…) a realidade é que na Croácia, os únicos sérvios que sobrevivem são os que se converteram ao catolicismo”.

A violência extremada impressionou também as próprias forças fascistas italianas que controlavam parte do território croata e que se recusavam a devolver aos Ustacha alguns refugiados que chegavam à sua zona de controle. Tal facto revoltou o Cardeal Stepinac, que, em carta ao Bispo de Mostar(na actual Bósnia) lhe escreve “se a parte mais católica da Croácia o deixar de ser no futuro, tal responsabilidade ante Deus e a História será da Itália católica”.

Contudo, mesmo a conversão forçada ao catolicismo, não obstante a sua carga simbólica e a violência que pressupunha para os convertidos, não era possível para todos. Primeiro, porque ela pressuponha um preço de 180 dinares a entregar à Igreja Católica, e segundo, porque dessa conversão ficavam excluídos os sérvios com maior escolaridade, no pressuposto que estes nunca fariam uma real conversão. Assim, quem não tivesse posses financeiras ou tivesse alguma escolaridade era exterminado sem contemplações.

Um pormenor(!) sórdido deste genocídio consiste no facto de que parte das atrocidades cometidas e de vários dos mandantes dos campos de extermínio serem sacerdotes e sobretudo padres franciscanos. Era quase impossível desenvolver-se uma acção punitiva Ustacha sem a presença de um padre franciscano. Sendo que destes, o mais conhecido de todos foi o padre franciscano Miroslav Filipovic, Director do campo de extermínio de Jasenovac.

O Campo de Extermínio de Jasenovak

Dos vários campos de extermínio edificados pelos Ustacha, o campo de Jasenovak foi o maior de todos, calculando-se que aí foram brutalmente assassinadas várias centenas de milhares de pessoas, maioritariamente sérvios, judeus, ciganos e croatas comunistas. Existem estimativas que apontam o número total de 700mil pessoas. O campo de Jasenovak, este lugar de extermínio, era dirigido por Vjekoslav Luburic.

O campo possuía ainda no seu complexo um campo para crianças em Sisak e outro para mulheres em Stara Gradiska. Ainda que, muitas mulheres tenham sido deportadas para a Alemanha nazi e diversas crianças entregues a orfanatos católicos.

As condições de permanência no campo eram desumanas, sem higiene, bens alimentares ou a água necessárias para a sobrevivência, a que se somava a obrigatoriedade de trabalhar sob as mais desumanas e severas condições.

O extermínio em Jasenovak era feito de diversas maneiras: por rajada de metralhadora, por cremação, envenenamento e uso de gases tóxicos(Ziklon B e dióxido sulfúrico) e através da faca srbosjek conhecida por “mata-sérvios”.

Os extermínios tinham lugar em Granik, Gradina, Mlaka e Jablanac e ainda em Velika Kustarica. Sendo que, à medida que a derrota das forças do Eixo se aproximava, o ritmo de extermínio foi aumentando. Os corpos das vítimas eram cremados ou atirados ao rio.

Um relato de um dos guardas do campo de Jasenovak ficou para a posteridade, segundo ele, “o franciscano Pero Brzyca, Ante Zrinuzic, Sipka e eu fizemos uma aposta para ver quem mataria mais prisioneiros numa noite. A matança começou e depois de uma hora eu já tinha morto muito mais que eles. Sentia-me no sétimo céu. Nunca tinha tido tanto êxtase na minha vida. Depois de duas horas já tinha morto mais de 1100 pessoas, enquanto os outros não conseguiram assassinar mais de 300 ou 400 cada um. E depois, no auge deste prazer reparei num velho que me olhava indiferente. Esse olhar impressionou-me, congelei durante algum tempo e nem me conseguia mexer. Aproximei-me dele e descobri que era do povo de Klepci, perto de Kapijina, e que toda a sua família já tinha sido assassinado enquanto ele trabalhava no bosque. Falava para mim com uma incompreensível paz que me incomodava muito mais que os desgarrados gritos que ouvia ao meu redor.

Imediatamente senti a necessidade de terminara com a sua paz mediante a tortura, mediante o seu sofrimento, para poder voltar ao meu êxtase, para poder continuar a retirar prazer de infligir dor.
Ordenei-lhe que gritasse Viva Pavelic! ou corto-te uma orelha. Não falou. Cortei-lhe a orelha. Não disse nada. Disse-lhe que gritasse Viva Pavelic! ou corto-te a outra orelha. Não disse nada. Cortei-lhe a outra orelha. Ameacei-o que lhe cortava o nariz se não gritasse Viva Pavelic!, ao que ele me respondeu “Faça o seu trabalho, criatura”. Estas palavras confundiram-me e congelaram-me, arranquei-lhe os olhos, depois o coração, cortei-lhe a garganta de orelha a orelha. Mas algo se rompeu dentro de mim e não consegui matar mais nessa noite. O franciscano Pero Brsyca ganhou a aposta e eu paguei-lhe”.

Foi o colaboracionismo com as forças nazi-fascistas da Alemanha na Croácia, foi o Estado NDH, o movimento Ustacha e a sua barbaridade que Ratzinger foi homenagear no tumulo do Cardeal Alojizje Stepinac há três anos atrás numa visita sua a Zagreb. Treze anos depois de também o Papa João Paulo II, Karol Wotjyla, já ter procedido à beatificação de Stepinac.A Igreja Católica soube sempre o que se estava a passar. Padres e bispos da região houve que se entretinham a enviar cartas para o Vaticano onde até escreviam poesia sobre estes acontecimentos. Ante Pavelic teve até o desplante de oferecer ao seu biógrafo pessoal e a alguns dignatários estrangeiros cestas carregadas de olhos humanos(quem os recebeu até relatou que pensou tratarem-se de conchas), enquanto a rádio BBC em 16 de Fevereiro de 1942 reportava “As maiores atrocidades estão a ser cometidas à volta do Arcebispo de Zagreb. Correm rios de sangue. Os ortodoxos estão a ser condenados à força a converter-se ao catolicismo e não ouvimos do Arcebispo uma palavra de revolta sobre isto. Em vez disso, sabe-se que está tomar parte em desfiles nazis e fascistas”.

O Estado Independente da Croácia, o infame Nezavisna Drzava Hrvatska, não resistiu a Maio de 1945 e ao avanço dos Partizans e do Exército Vermelho, tendo os seus territórios passado a integrar a República federal socialista da Jugoslávia.

Ante Pavelic – líder do NDH e do Partido Ustacha, após a 2ºguerra mundial, foge para um mosteiro franciscano em Nápoles, de onde, com a ajuda da igreja católica parte para a Argentina. Aí fará parte do corpo de segurança pessoal do Presidente Perón. Será presença frequente em eventos sociais da nobreza e da Igreja católica em Madrid, onde encontra amizade em Francisco Franco. Será localizado na Argentina pelos Serviços Secretos da Jugoslávia e é baleado com dois tiros que lhe serão fatais. Está enterrado em Madrid.

Vjekoslav Luburic – comandante do Campo de Extermínio de Jasenovac, parte para Espanha e numa localidade perto de Valência faz-se passar por um reformado alemão que gosta de tomar conta do seu laranjal e de organizar iniciativas na diocese local. Em 1969 é localizado pelos Serviços Secretos da Jugoslávia e é assassinado à porta de sua casa. As suas últimas palavras terão sido “já sabia que vocês um dia vinham”.

Alojizje Stepinac – após a 2ºGuerra é julgado e condenado a 16 anos de prisão, dos quais apenas cumprirá 5 devido a um gesto de conciliação de Tito, com a condição de ou ir para Roma ou ficar confinado à sua casa. Preferiu ficar em casa até ao fim dos seus dias.

* Autor Convidado
Filipe Guerra