Nem todo o visto é d’ouro nem toda a imigração é barata

Nacional

O ex-director do SEF está preso. Preventivamente, ou seja, à guisa de evitar a fuga e não de punição por crimes que, pelos quais e até à data, não foi declarado culpado. E resulta pouco verosímil que preso permaneça, já que a medida de coacção aplicada pelo juiz de instrução criminal admite a possibilidade de substituir o estabelecimento prisional pela pulseira electrónica.

Eu não sei se Manuel Palos cometeu os crimes que lhe são imputados. Mas sei que as suspeitas que sobre ele pendem são especialmente graves porque arrastam o Estado para um novo patamar de abjecção e aviltamento político e porque essas suspeitas são sintomáticas de um capitalismo inapto para responder à sua própria crise sem se valer de modos e trejeitos cada vez mais mafiosos. Sei também que Manuel Palos, estando aparentemente muito longe de uma condição de indigência, irá recorrer de quaisquer decisões que não lhe sejam simpáticas, suspendendo o seu efeito tantas vezes quantas possíveis até à exaustão das Calendas gregas. Mas o que aconteceria se o ex-director do SEF estivesse à mercê da jurisdição do organismo que durante tantos anos comandou?

Tivesse Manuel Palos nascido no estrangeiro ou, mesmo nascido em Portugal, fossem os seus pais imigrantes ilegais, poderia muito bem estar sujeito aos poderes discricionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Quer isto dizer, a título de exemplo, que nenhum dos copiosos recursos que Manuel Palos interporá teria efeito suspensivo para a sua expedita expulsão do país. Por outras palavras, a justiça discricionária do SEF que Manuel Palos sempre elogiou é boa para os outros, mas não para o próprio.

A lei da nacionalidade de 2007 representou um progresso significativo relativamente aos fracassos dos anos noventa e muito beneficiou do contributo indispensável de incontáveis propostas do PCP. Mantém, contudo, matizes negativas indeléveis, das quais o poder discricionário absoluto do SEF é a mais evidente. Hoje em dia, o SEF continua a decidir e a adiar a vida dos imigrantes sem contrapesos nem direito a recorrer para outras instâncias. Do trâmite de renovação de autorizações e vistos ao reagrupamento das famílias, a decisão final é sempre do SEF.

O SEF é uma máquina toda-poderosa e auto-sustentável que gera receitas anuais de mais de 50 milhões de euros, à custa não só dos vistos gold mas à custa dos outros também. De acordo com a tabela das taxas de 2014, consoante a sua origem, os trabalhadores imigrantes em Portugal têm que pagar entre 50 e 300 euros todos os anos pela renovação dos vistos de trabalho, títulos de residência ou autorizações de residência. A estas taxas acrescem muitas outras, como as de equivalência, reagrupamento, passaporte e o custo de certidões, fotocópias, impressos e vinhetas. Para uma parte substantiva dos trabalhadores imigrados em Portugal, muitos dos quais sobrevivem com salários e subsídios miseráveis, o pagamento destes valores representa um obstáculo espinhoso à sua integração.

Estas barreiras, enfrentam-nas apenas os imigrantes que chegam a Portugal para trabalhar, mas que não têm direito a um contrato de trabalho sem ter uma autorização de residência e que não podem ter uma autorização de residência sem um contrato de trabalho. Já aos capitalistas que vêm para Portugal lavar dinheiro, branquear capitais e explorar trabalhadores, assiste o direito a todas as facilidades, se assim as puderem pagar.

Já muita tinta correu sobre a indignidade de vender a cidadania portuguesa a qualquer um que a possa pagar e independentemente de onde venha o dinheiro, mas na verdade o visto gold é apenas a extensão do capitalismo e da sua doutrina ideológica, o liberalismo, à concepção moderna de nacionalidade. Para mover livremente capital e mercadorias e controlar os fluxos de mão-de-obra, abatendo continuamente o seu valor, importa às nações garantir que a nacionalidade esteja submetida ao critério-padrão da liberdade capitalista: a de adquirir qualquer coisa, uma liberdade que é directamente proporcional ao poder de compra.

Por esta lógica prostituída, faz todo o sentido que alguns trabalhadores esperem anos por uma autorização de residência enquanto vivem, trabalham e pagam impostos ao passo que um empresário de outro país tenha acesso imediato à cidadania. É a liberdade económica: só a tem quem a pode comprar. Para felicidade de Manuel Palos, esse é também o diapasão da justiça, que permite que alguns sejam deportados sem direito a recurso e outros, façam o que façam, se safem sempre.

Não é só o SEF que está podre nem é só Miguel Macedo que foi comprometido: é o tempo deste governo que já acabou, é o capitalismo que está a rachar.