– Ó André, já chega de falar na barbearia, não?

Nacional

A Figaro’s continua aberta, os ginásios e spas só para mulheres também. A primeira, nas condições em que está aberta, devia fechar, os segundos, devem continuar abertos. E porquê? Já muita gente explicou, mas muita gente continua a não querer entender. Repito resumidamente: a Figaro’s impede a entrada e/ou permanência física de mulheres no seu estabelecimento, os ginásios e spas exclusivos para mulheres, simplesmente não prestam serviços a homens, mas não os impedem de estar no estabelecimento.

– Ó André, mas há zonas exclusivas para mulheres nesses sítios, onde os homens não podem entrar.
– Ó Leitor(a), assim como num spa onde tu estejas a receber uma massagem e onde, durante o tempo dessa massagem, mais nenhum cliente, homem ou mulher, pode entrar. Assim como há estabelecimentos onde é preciso ser sócio para frequentar zonas exclusivas. Assim como, às vezes, há restaurantes que fecham para outros clientes porque há jantares privados nesse dia.

– Ó André, mas então achas normal que um restaurante não sirva mulheres, ou pretos, ou homossexuais?
– Ó Leitor(a), não, porque o serviço prestado pelo restaurante é servir comida, e boca toda a gente tem.

– Ó André, então pelo teu raciocínio, os clubes ou associações, podem dizer que não querem mulheres, chineses e gregos como sócios porque não têm serviços para essas pessoas, certo?
– Ó Leitor(a), sim e não. Sim, podem dizer que não têm serviços para um dos sexos, e portanto aí é natural que essas pessoas não queiram ser sócias deste clube. Desde que, como em qualquer outro estabelecimento público, possam essas pessoas circular livremente no seu espaço menos nas tais áreas exclusivas. Não, porque dificilmente um clube não tem serviços para pessoas de certas nacionalidades ou etnias, e isso já é discriminação por origem de nascimento ou cor de pele.

– Ó André, então mas um ginásio ou um spa tem serviços para homens e para mulheres, qual é a diferença? Não suam da mesma maneira? Não podem ser massajados da mesma maneira?
– Ó Leitor(a), não sei se já frequentaste um ginásio ou um spa, eu spas conheço mal, ginásios conheço muito bem e aproveito a deixa para saír do diálogo e voltar a falar para toda a gente.

Quem frequenta ginásios pode observar o comportamento de alguns homens nesses locais. Digamos que entre os urros guturais e, mais ou menos, genuínos de quem levanta dezenas de quilos, há sempre um olhar de soslaio para um rabo de uma mulher mais jeitosa, para uma barriga tonificada e descoberta que exercita os abdominais ao fundo da sala, para uma mulher que faz alongamentos encostada a um espaldar, etc…

Somos pessoas, temos olhos para ver, gostamos de corpos, é natural. Não podemos ser impedidos de olhar, mas talvez possamos ser impedidos de babar dos olhos prolongadamente. Quer homens quer mulheres, mas se vão ao ginásio sabem que os homens babam mais dos olhos. Mas se o problema fosse apenas este, estávamos nós bem.

O problema grave, e sério, e que pode começar a configurar assédio sexual, é quando o homem arranja maneira de se “ir fazendo” à sua colega de ginásio. Não se pode proibir uma conversa, mas com estes que a terra há-de comer já vi muitas mulheres a ficarem desconfortáveis com a abordagem de alguns homens virilmente suados. E quando essa abordagem é sistemática e não correspondida? E quando a mulher é obrigada a mudar a sua rotina para ir ao ginásio nas horas em que aquele homem não está presente? E quando o homem, mesmo depois de levar uma tampa continua a tentar a sua sorte? E se este homem tiver 120kg de músculos e a altura de uma torre e a mulher, ao pé dele, ficar ainda mais pequena do que na realidade é por se sentir invadida na sua privacidade enquanto exercita o corpo?

Foi por isto que a certa altura alguém se lembrou de criar ginásios e spas exclusivos para mulheres, porque muitas mulheres se sentiam desconfortáveis nos ginásios mistos. Porque muitas mulheres, por muito que tentassem ignorar, se sentiam despidas com os olhos e assediadas. Porque muitas mulheres, por via da pressão social que lhes é feita e que tenta impôr um cânone de beleza, tinham vergonha de ir exercitar um corpo que foge a esse mesmo cânone. Principalmente em frente de homens que gozavam com os seus “pneus”.

Claro que hoje em dia, com a massificação dos ginásios e com a normalização do exercício físico como componente essencial para uma melhor saúde, este problema diminuiu, mas persiste. Frequento um ginásio com uma sala mista, onde há sempre ou quase sempre mulheres, mas com uma zona exclusiva para elas. O acesso aos seus balneários e à sua sala exclusiva é feito através de um cartão magnético. E porquê? Basta olhar para os olhos de alguns homens quando elas entram na zona mista, basta ouvir as frases que lhes saem da boca, dirigidas directamente a elas ou dirigidas aos outros homens no ginásio.

Há ainda muito a ser feito na luta pelos direitos das mulheres, e certamente que a proibição estampada na porta da Figaro’s é um insulto e um retrocesso de décadas.
Hoje, na aldeia mais isolada do interior do país, já não se tolera que uma mulher seja impedida de entrar numa tasca. Apesar de ser possível continuar a ouvir um silêncio no momento em que uma mulher pisa o chão da tasca, todos os homens, por mais analfabetos e desinformados que sejam, já aprenderam que não é socialmente aceitável que se proíba as mulheres de frequentarem a tasca, que é um local público.

Que uma barbearia, no centro de Lisboa, recupere esta discriminação, além de ilegal, é simplesmente vergonhoso para uma cidade que se afirma cosmopolita e inclusiva, independentemente de género, cor de pele, religião e orientação sexual.
Bom, talvez menos inclusiva para quem seja de uma classe social mais baixa…

* Autor Convidado
André Albuquerque