O Estado não é teu pai.

Nacional

As garantias pessoais do Estado, garantias soberanas, são dadas sobre um determinado compromisso assumido entre terceiros.

É natural que um Estado possa dar garantias pessoais a empréstimos bancários para um investimento público, para uma necessidade incontornável da economia de um país, mas é estranho que seja o Estado a avalizar e a ser fiador de um negócio de milhões onde o retorno não é seguro e o lucro é estritamente privado. Os mesmos que ajoelham ao altar do empreendedorismo, clamam pela esplendorosa iniciativa privada e maldizem o tamanho do Estado, são afinal os que só se endividam porque o próprio estado lhes serve de fiador.

No Orçamento do Estado para 2015, o Governo fez inscrever 24.600.000.000 € para garantias pessoais do Estado a bancos. No mesmo documento, o PSD e o CDS apresentaram uma proposta de alteração (aprovada) que alarga de 5 para 7 anos o prazo para usar créditos com garantias do Estado e que alarga de 20 para 50 anos o prazo para reembolso de garantias.

Vinte e quatro mil e seiscentos milhões de euros. Qualquer coisa como o orçamento da saúde, educação, justiça, cultura, tudo junto e mesmo assim não chega lá. Qualquer coisa como 30% do valor total do Orçamento. Claro que o Governo sabe que tais garantias pessoais não podem ser activadas todas ao mesmo tempo, caso contrário, lá se ia a liquidez da fazenda, mas não deixa de ser perverso que o Estado seja fiador de grandes grupos económicos quando milhões de portugueses não conseguem aceder a crédito, outros tantos não têm emprego, e muitos passam fome. Para qualquer um desses portugueses eu vejo mais valor numa garantia pessoal do Estado do que para um Banco. Nenhum desses portugueses tem direito a uma garantia pessoal do Estado. Já os bancos, ainda nem pediram e já o Governo autoriza 24.600 milhões de euros, enquanto lhes alarga simultaneamente os prazos para reembolso.

Vamos rapidamente ao caso BES, que nesta matéria não é diferente de outros tantos que usam a garantia do Estado com mais facilidade do que tu convences os teus pais a serem fiadores para comprares casa – se é que ainda há entre quem nos leia quem possa tamanho luxo!

O BES tem uma garantia pessoal do Estado no valor de 3.500 milhões de euros. Para quê? Ora, o BES solicitou essa garantia a pretexto de um empréstimo obrigacionista. Três, na verdade: um no valor de mil milhões, outro de valor igual e um outro de mil e quinhentos milhões. Para todos pediu garantia do Estado. Qual é a lógica dessa solicitação? Se o empréstimo está assegurado pelo Estado, todos os tomadores dessas obrigações saberão que o produto que estão a comprar é seguro. Ou seja, eu compro uma obrigação ao BES, para que o BES ma devolva daqui a 3 anos com x% de juros. Caso o BES não possa pagar-me esse empréstimo que lhe fiz, juntamente com os juros que me deve, o Estado português paga. Espectacular!

Portanto, o Estado atravessa-se e compromete-se com a agiotagem, com os grandes fundos tomadores de obrigações e com os bancos, avalizando com os recursos públicos a brincadeira de casino dos privados. Se a coisa correr mal, o estado paga.

Isso já é, em si mesmo, um mecanismo perverso. Os Governos andam a apostar na roleta com o nosso dinheiro.

Mas no caso da garantia específica do BES, os tais 3.500 milhões, mostram como o compromisso do Estado com os bancos vai ainda mais longe. O BES emitiu de facto os empréstimos obrigacionistas, solicitou de facto as garantias e o governo deu-lhas, mas o BES não vendeu as obrigações. Ou seja, tem-nas guardadas “em carteira”, como eles dizem. Ou melhor, passaram para o Novo Banco, agora, e o Novo Banco é que as tem na carteira. E vai pedir ao Governo que mantenha as garantias sobre essas obrigações por mais um ano, talvez dois ou três, ou sabe-se lá.

Então, vamos ver: os bancos pedem garantias do Estado para emitir obrigações, mas não as vendem. Ou seja, ficam com um stock de garantias do Estado para eventuais necessidades. No caso, o BES quis ter aquelas obrigações para poder endividar-se junto do Banco Central Europeu. O facto de poder dar como colateral da dívida um lote de 3.5 mil milhões de euros em obrigações garantidas pelo Estado dá-lhe muito mais capacidade de endividamento. Não é bonito? O Estado que não se se pode financiar junto do Banco Central dá garantias aos bancos privados para que o façam. Com o dinheiro que os bancos lá vão buscar depois compram a dívida do estado, com juros muito maiores.

É mais ou menos o mesmo que pedires ao teu pai para ser fiador na compra de uma casa e depois arrendas-lha por um preço superior ao que estás a pagar ao banco. O Estado, como dizem, não é teu pai. Pois não, é pai dos Bancos.