Sentados ao mesmo balcão, o Fernando Rosas e o Arnaldo Matos têm a leve impressão de se conhecerem de algum lado. Trocam olhares desconfiados, mas permanecem silenciosos, dobrados sobre os copos de uísque e com cara de poucos amigos.
Finalmente, é o Arnaldo Matos que quebra o gelo:
– Que vida madrasta! Um gajo chegar a velho para ainda andar cá a fazer de palhaço! Estou sozinho no mundo!
– É a vida de hoxaista! – Desabafa o Rosas.
O Arnaldo atira-lhe um olhar e rebate:
– Tretas! Para uns é só trepar! Para o Arnaldo ficam os trocos! Vê-se mesmo que não conhece o Durão…
– Qual? O Barroso? – Pergunta o Rosas, surpreendido – Então não havia de conhecer? Andámos juntos a deslocar mobiliário académico para a sede do MRPP!
– Caramba! Também eu!
– Mas que tipo de anti-revisionista é você? Hoxaista, estalinista, maoista? – Pergunta o Rosas.
– Sei lá! Sou anti-PCP! – Exclama o Arnaldo.
– Também eu! – Confirma o Rosas – Ainda acha que está sozinho no mundo? Anime-se homem!
– Vê-se mesmo que não foi você que recebeu dinheiro da CIA para fazer esta figura… – Lamenta-se o Arnaldo.
– Olhe que por acaso também tive nisso!
– O quê? E também aplaudiu a queda do Muro de Berlim?
– Claro! Até disse que a queda da URSS era uma revolução socialista!
– Pois, mas de certeza que já meteu a reforma da cruzada anti-PCP… – Choraminga o Arnaldo.
– Ainda ontem fui para um programa chamar-lhes sectários! – Revela o Rosas. Pela primeira vez, o Arnaldo ensaia um sorriso tímido.
– Lá que temos muito em comum, temos… – admite o Arnaldo – talvez a vida valha mesmo a pena! Diga-me, também votou Sampaio da Nóvoa nas presidenciais?
– Sectário! Morte aos traidores! – Grita o Rosas, levantando-se para sair.