O início do mandato de Juncker e a Ciência

Internacional

Jean Claude Juncker, o novo Presidente da Comissão Europeia, não teve um início de mandato fácil: irrompeu o escândalo LuxLeaks e enfrentou uma moção de censura. Mas acabou por sair reforçado depois da moção e atreve-se a fazer algumas mudanças que são um mau prenúncio. Destaco algumas relativas ao investimento em Ciência.

Juncker assumiu a presidência a 1 de Novembro. Nesse mês, um consórcio internacional de jornalistas reportou que o governo do Luxemburgo, então chefiado por Jean-Claude Juncker, esteve envolvido na atribuição de benefícios fiscais a pelo menos 300 das maiores empresas mundiais. O Luxemburgo já tende a funcionar como paraíso fiscal, o que leva centenas de empresas a registarem-se no Luxemburgo. Cerca de 1,600 empresas têm o mesmo endereço: 5, rue Guillaume Kroll. Sob o comando de Juncker, centenas de empresas foram sujeitas a uma taxa fiscal simbólica de 1% ou menos, em vez dos mais de 25% previstos nas legislações dos países onde actuam.

O escândalo resultante, LuxLeaks, gerou fortes críticas a Juncker e ao questionar da sua recente nomeação. A extrema-direita, reforçada nas últimas eleições para o Parlamento Europeu (e que continua a ganhar força; vejam-se as recentes eleições intercalares na Grã-Bretanha, e a eleição para o Parlamento Inglês de deputados do UKIP para lugares tradicionalmente ocupados pelos Conservadores), apresentou uma moção de censura. O GUE/NGL (Esquerda Europeia e Esquerda Verde Nórdica), onde estão integrados o PCP e Bloco de Esquerda, pretenderam apresentar uma moção de censura alternativa, digna de reflexão e debate sobre o escândalo da evasão fiscal, mas os eurodeputados verdes e socialistas que não quiseram juntar-se a esta iniciativa. A moção de censura da extrema-direita acabou por não só ser favorável a Juncker, como unindo o Partido Popular e dos socialistas resultou numa votação superior à obtida durante a sua eleição pelo PE. Fica assim claro o papel da extrema-direita e dos socialistas no PE.

Junnker não tem perdido tempo em implementar reformas à Comissão Europeia. As primeiras medidas tomadas quando se ocupa um cargo têm uma importância acrescida, ao revelarem as intenções e concepções ideológicas viscerais. Algumas das primeiras medidas de Juncker face à ciência estão a gerar grande preocupação entre a comunidade científica, não tendo ainda ganho o devido destaque na sociedade em geral.

Primeiro, logo no início de Novembro, Juncker anunciou que iria eliminar o posto de Conselheiro Científico à Comissão Europeia, um lugar criado pelo Zé Manuel Barroso em 2011. Um porta-voz de Juncker, face às pressões de organizações científicas, incluindo a Academia Europeia das Ciências, não pôde esclarecer quais os planos para aconselhamento científico da Comissão, afirmando que ainda se está a pensar como operacionalizá-la e que existiam outras matérias mais urgentes na agenda, garantindo porém (claro) que ainda se dá importância ao aconselhamento científico. A verdade é que não perdeu tempo em eliminar este posto, de alguma relevância onde tanta retórica europeia assenta na “sociedade do conhecimento” e na criação de uma Europa de excelência ao nível da ciência, tecnologia e inovação.

Após apenas 3 meses no cargo, Juncker anunciou também uma das suas primeiras grandes medidas, que inclui a redução em €2.7 mil milhões do programa Horizonte 2020 – o grande programa de investimento europeu em ciência e tecnologia, o equivalente ao 8º Programa Quadro – cujo orçamento era de €80 mil milhões entre 2014-2020. Esta verba será transferida para um novo “Plano de Investimento para Europa”, que juntamente com verbas transferidas doutros programas, teria inicialmente um orçamento de €21 mil milhões. Para que servirá o novo Plano não é claro: a comissão tem referido vagamente que será para comunicações, energia, transporte, educação, investigação, inovação. A comissão alega que esta verba inicial irá gerar 15 euros por cada euro retirado aos programas que financiam o plano. Mas a comunidade científica e vários economistas receiam que tal seja uma mera fantasia de Juncker. Qualquer das áreas referidas poderia ser financiada no âmbito do Horizonte 2020, mas sob as regras de atribuição de financiamento deste programa, que envolve a avaliação por painéis científicos. O que Juncker claramente pretende com esta transferência é ter parte da verba do H2020 sob o seu controlo discricionário, revelando simultaneamente (juntamente com a medida de eliminação do posto de conselheiro científico) um desconfiança intrínseca na comunidade científica.

* Autor Convidado
André Levy