Vós, que vos indignais pelas pedras ofendidas do Panteão Nacional e que me ledes com o orgulho, também ele nacional, ferido de morte porque vos profanaram a Bandeira Nacional num tapete de hotel, respirai fundo. O que me diríeis se soubésseis que a dignidade nacional de 500 mil crianças nacionais é diariamente desrespeitada? São 500 mil crianças a viver numa pobreza mais abjecta para a Nação do que mil tapetes de hotéis do Porto a que os ímpios apólidas limpam a merda dos sapatos.
Mas não é tudo, ilustres compatriotas: mesmo enquanto me ledes, os nossos egrégios avós, desesperados de dores, pulseira amarela, com sorte vermelha, atravancam os corredores dos serviços de urgência deitados em macas (porque não há camas), nove horas à espera (porque não há médicos), a pagar a taxinha moderadora à saída (se a família não os deixar lá).
Portugueses de tão delicada sensibilidade nacional: soubésseis vós o que se come na Escola Pública e daríeis de barato os banquetes do Panteão; vísseis como está o vosso governo há trinta anos prostrado aos pés da Alemanha e da França e não haveria Europeus nem Ronaldos bastantes para vos salvar do opróbrio; experimentásseis as humilhações e as injúrias que a Nação permite aos seus trabalhadores e mandaríeis para a puta que os pariu as virgens ofendidas dos símbolos da Nação. Porque essas lágrimas fáceis, que chorais com os símbolos e não emprestais à luta na forma de suor, não são lágrimas. São crocodilo, quase tudo, e cloreto de sódio.
Bem sei que hoje em dia o Panteão, a Bandeira e a Selecção são mais Nacionais do que o Salário Mínimo Nacional, o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública Nacional. E eu cá, no entanto, preferia poder orgulhar-me dos últimos.