O salta-pocinhas sem vergonha

Nacional

Um dos factos marcantes dos resultados das últimas eleições para o Parlamento Europeu (PE) em Portugal foi sem dúvida os 7% atingidos pelo Movimento Partido da Terra (MPT), que elegeu 2 eurodeputados. Tal não se deveu à captação de eleitores em torno do programa e posições do MPT, mas ao efeito do seu cabeça de lista, Marinho Pinto (cujas opiniões teremos de deixar de parte por questões de tempo).

Eis que passados apenas 7 dias depois de aterrar em Bruxelas, Marinho Pinto anuncia que irá abandonar o PE em 2015. A curta estadia deu-lhe já para entender que “o elemento agregador da Europa não está nos ideais nem nas políticas, mas no dinheiro. E eu não acredito numa organização toda construída em torno desse dinheiro”.(ver) Infelizmente a sua perspicácia e sapiência política não lhe permitiram inferir essa realidade antes de se candidatar, envolver-se numa campanha e ser eleito. Foi necessário tudo isso, para depois da “experiência” de uma semana, anunciar que não iria cumprir o mandato até ao fim.

Mais. Tendo acumulado essa experiência, fruto da vitória eleitoral que na altura descreveu como “vitória da humildade”, pôde então concluir que “os problemas nacionais são mais graves do que os europeus” e que pretende candidatar-se à Assembleia da República “onde faço mais falta para resolver os problemas políticos dos portugueses, isto, sem prejuízo de, depois, poder também candidatar-me às presidenciais”. A humildade continua a operar.

Das afirmações acima também se conclui que Marinho Pinto não crê que os problemas nacionais possam ser abordados ao nível europeu, ou que ele não teria capacidade para o fazer, cabendo então perguntar: porque se candidatou? Talvez Marinho Pinto tenha sentido que no quadro europeu o seu ego, tão agraciado durante a campanha para o PE, e tão enaltecido com a vitória do MPT, não iria receber o “merecido” destaque deste auto-nomeado “Dom Sebastião”.

Marinho Pinto aproveitou ainda a ocasião para considerar “vergonhoso” os salários dos eurodeputados, que podem chegar aos “17 mil euros/mês”, mas esclarecendo que ele não tem vergonha de os receber pois “Sou pobre[!!], preciso do dinheiro, tenho uma filha no estrangeiro.” (Sr. Marinho Pinto, há outros eurodeputados que com orgulho dispensam uma boa parte dessa mordomia e a entregam ao partido nos qual os eleitores declararam confiar.)

Este seria apenas mais um episódio no circo político português não fosse ilustrativo do crescente protagonismo de figuras populistas (como o Isaltino, a Fátima Felgueiras), e toda uma distorção do nosso sistema político e eleitoral, do qual se aproveitam os partidos do Bloco Central. Refiro-me às vozes que reclamam o fim dos partidos e eleições uni-nominais.

Voltemos atrás às eleições europeias de 25 de Maio. Porquê tantos votos no MPT? Devido à sua plataforma política ou terão muitos eleitores “desiludidos” com outras forças políticas encontrado eco na retórica de Marinho Pinto? Quantos dos eleitores que “votaram” em Marinho Pinto conheciam efectivamente o programa do MPT? Um facto relevante já que devido à afluência de votos no MPT, o segundo da lista também foi eleito euro-deputado. Quantos saberiam quem era essa figura, ou a do terceiro na lista, que após a saída de Marinho Pinto irá para o PE?

Haverão ainda (poucos certamente) eleitores “históricos e afiliados” do MPT que tendo ficado satisfeitos com a simbiose com Marinho Pinto, sintam agora até um certo alívio. Recorde-se que devido às opiniões de Marinho Pinto contra a adopção de crianças por casais do mesmo sexo, o MPT nem tem pode integrar o grupo do PE os Verdes, ao qual naturalmente pertenceria.

Nos actuais moldes, os eleitores fazem muito mal em ir a reboque dos cabeças de lista e abdicarem de conhecer e reflectir sobre os programas políticos dos partidos e movimentos que vão a votos. Neste caso, que não votavam em Marinho Pinto, mas no MPT. Noutro caso, que não votam em Seguro ou Costa para candidato a primeiro ministro. Ou ainda que, nas legislativas, não votam nesses cabeças para primeiro ministro, mas sim num partido que os represente na Assembleia da República (AR) e contribua para formar governo ou trabalhar na oposição.

Um voto consciente num Partido e seu programa dá garantes que eleições uni-nominais em torno de personalidades não podem oferecer. Não obstante a importância das características pessoais de um cabeça de lista, como possível futuro líder, estes são seres humanos, indivíduos, que podem sofrer de mudanças de opinião e plano de vida, obedecendo não à força dos argumentos e factos, mas a objectivos e ambições individuais. Se o voto dos eleitores foi apenas no cabeça de lista, e não no partido que este encabeçava, o seu voto fica defraudado se o cabeça de lista… achar que afinal não era isto que queria fazer. Se o voto foi no programa eleitoral, os representantes mudam (eventualmente as características pessoais dessa representação também), mas há a garantia de continuidade da defesa do programa político. O representante muda porque optará por fazê-lo, por razões de coerência, ou porque o seu partido ou lista eleitoral – que defende o voto do eleitor num programa político – o fará substituir.

Dirão os defensores das eleições uni-nominais, que caso um candidato decida abandonar o cargo, haverão novas eleições, que não se dariam nas mesmas condições de oportunidade para discussão e confronto de ideias que as eleições regulares. Mas voltamos à questão da fulanização dos cargos parlamentares, como é o caso do PE e AR. (Naturalmente que a questão é diferente para um cargo como o Presidente da República.) E, por muito que queiram distorcer o processo de nomeação de governo, as eleições legislativas para a AR não são eleições para governo e muito menos para primeiro-ministro. Para eleições parlamentares, muito embora as características pessoais dos elementos na lista sejam relevantes, deve ter primazia o programa político dos partidos e movimentos que vão a eleições.

Há ainda quem afirme que os partidos são corruptos. Mas podem tirar o cavalinho da chuva se acham que o problema da  corrupção na política se resolve com eleições em torno de individualidades. Basta ver o poder e influência dos lobbies e pressões económicas dos eleitos para o Congresso nos EUA, que embora pertençam formalmente a “partidos”, são nomeados directamente pelo seu eleitorado, mas tendo na prática liberdade de voto, decidem em função de quem os financia. Um maior fulanização das eleições só convida mais corrupção e jogos de influência favoráveis aos que detêm o poder económico. O voto através de partidos é neste respeito também um garante. Ou melhor, pode ser. Há claro partidos corruptos, partidos que pela sua natureza de classe, pela influência intrínseca exercida pelo poder económico, facilmente abandonam promessas feitas aos eleitores para cumprir vontades individuais e empresariais. E infelizmente, em Portugal, apesar da experiência nas últimas décadas ter demonstrado claramente quais são esses Partidos corruptos – os que abdicam dos interesses nacionais para impor programas supra-nacionais, os que abdicam das promessas aos eleitores para prestar favores aos amigos influentes, os distorcem a lei e a Constituição – esses partidos continuam a receber votos e a serem considerados como os membros exclusivos do “arco da governação”.

O problema do nosso sistema político não está no sistema de partidos, no nosso sistema eleitoral, nem no número de representantes na AR, nem nos princípios consagrados na Constituição da República (CR). O problema está na natureza de classe e ideologia dos principais partidos que têm governado o país, nas personalidades que o compõem, e no poder económico-financeiro nacional e internacional a que obedecem. Corrigir essa doença não passa por abandonar os partidos e formar movimentos de individualidades sem programas claros, por reformar o sistema eleitoral, diminuir o número de deputados na AR, ou rever a CR. Veja-se quem lança estas propostas. São pessoas com ambições individuais, atraídos pelo esplendor das câmaras, deleitados com o som das suas vozes, mas indispostos a se diluírem num organização que não dominariam. Ou os que estão dispostos a trocarem sua individualidade pelo protagonismo e poder, disponibilizando-se a cumprir o programa de outros, mais influentes. Estes são os que têm circulado pelos arcos do poder, e que apenas o querem solidificar. Continuar a governar, mas sem o empecilho de uma oposição consequente na AR. Os mesmos que prefeririam governar sem mesmo ter que obedecer à base de militantes remanescentes dos seus partidos. Os que num piscar de olhos abdicariam de uma democracia, sob o alegado pretexto de a aprofundarem. O problema da qualidade dos governantes e das políticas que impõem está precisamente na qualidade dos fulanos e no incumprimento do programa da CR, na ausência de um Presidente da República que salvaguarde a sintonia entre o eleitorado e eleitos (no momento presente, demitindo o Governo), na falta de um genuíno debate político em torno de eixos programáticos, na falta de numa comunicação social aberta e crítica, na falta de uma democracia participativa.

* Autor Convidado
André Levy