Viver e crescer na Juventude Comunista

Nacional

A vida está cheia de aniversários importantes que ninguém celebra: aprender a andar de bicicleta, o primeiro dia de escola, a última vez que abraças alguém de que gostas, o momento em que compreendes alguma coisa essencial sobre o mundo em que vives. Hoje, há precisamente 12 anos atrás, eu subia a velha escadaria do Centro de Trabalho do PCP na Amadora e tornava-me militante da Juventude Comunista Portuguesa.

Eu tinha 14 anos e os trabalhadores da SOREFAME estavam em luta. Eram operários altamentes especializados e com décadas de experiência a fabricar comboios, barragens e maquinaria pesada. Quando os patrões decidiram deslocalizar a produção, os trabalhadores disseram não. Eram o coração e o orgulho da Amadora operária, não se iam render. Então os capitalistas arquitectaram um plano para roubar a maquinaria durante a calada da noite.

Os trabalhadores responderam: montaram tendas e barricadas em todos os portões e aí ficavam, dias e noites, de vigília. A JCP estava lá, em solidariedade com esses homens, operários a tempo inteiro e heróis do nosso povo em part-time. Durante a noite, acendiam-se fogueiras, assava-se carne e bebia-se vinho. Os operários mais velhos contavam histórias de lutas passadas, que envolviam sempre “amarelos” e polícia. Às vezes, cantavam velhas canções de guerra e fazia-se um silêncio sepulcral para os ouvir: “E sangue de um camarada, vê lá companheiro… vê lá como venho eu”. Durante o dia a população vinha oferecer aos operários aquilo que podia: pão, chouriço, solidariedade. Mas depois, pela hora do almoço, chegavam as televisões e com elas o oportunismo bem-falante de alguns partidos ditos de esquerda. A Juventude Comunista não era assim. Não estava lá para cobrar o soldo de protagonismo, não tinha segundas intenções: a solidariedade com os operários era sentida como uma luta de todos, porque aqueles trabalhadores guardavam algo muito mais valioso que qualquer máquina ou emprego: a dignidade.

Do marxismo sabia muito pouco, mas vivia nos subúrbios cinzentos de uma cidade pobre e não era preciso um doutoramento para ver quem estava do meu lado. Era assim que se fazia a nossa formação ideológica: a escutar os operários mais velhos, nas greves dos trabalhadores do lixo, nas lutas das escolas secundárias… Posso até arriscar, sem desprimor da educação superior, que dessas lutas eu aprendi mais que do meu curso de mestrado: conheci homens que mal sabiam escrever e que compreendiam melhor as leis da economia que muitos professores catedráticos; conheci mulheres que sem nunca terem lido um livro de Marx, eram ideólogas comunistas da mais alta craveira.

E sobretudo, aprendi com os meus camaradas, que também eles aprendiam as lições da revolução e da guerra de classes. Lembro-me, durante uma luta do secundário, do Mário Alves me ensinar a importância da organização e da disciplina: eu tinha falhado uma tarefa de organização importante e de repente o meu erro era muito mais grave, porque apercebia-me de que era só eu que tinha falhado, era todo colectivo. Lembro-me do Bruno Carvalho fazer cumprir, à força de correntes, cadeados, super-cola e milhares de braços, aquilo que a RGA tinha democraticamente decidido: durante a greve, a escola não abria. Lembro-me de aprender com o Cebolas como é a coragem com que um comunista deve falar e trabalhar, correndo grandes perigos se for preciso. Lembro-me de aprender com a Rita Guimarães que nada disto se faz por egoísmo ou vaidade, porque da JCP ninguém saía materialmente beneficiado. Dava-se tudo sem esperar nada em troca. Acreditávamos. E riamo-nos das outras juventudes partidárias, que eram agências de empregos e vaidades, porque ao fim ao cabo, nós até enriquecíamos muito mais do que eles. Porque aprendíamos a estar na vida com honestidade, trabalho e coragem. Algumas destas lições nunca me abandonaram. A auto-crítica, por exemplo. Na JCP discutíamos os nossos erros com a maior naturalidade, objectiva e criticamente: sem medos, sem vergonhas e com o objectivo de nos aperfeiçoarmos sempre mais. E isso era surpreendentemente fácil, porque a auto-crítica e a culpa também a partilhávamos, como partilhávamos tudo e o pouco que tínhamos.

E lembro-me de uma vez tudo isto fazer sentido, quando o Ministério Público pediu pena de prisão porque tínhamos gritado na Assembleia da República “Não à Privatização” do Ensino Superior. Muitos foram os aceitaram assinar um pedido de desculpas e pagar uma multa. Só os comunistas recusaram, andando de tribunal em tribunal e com termo de identidade e residência durante anos. No fim, fomos absolvidos, já os que pediram desculpa, nunca serão.

Com o passar dos anos, os camaradas do meu colectivo envelheceram. Fizeram doutoramentos, tiveram filhos, mudaram-se para o Alentejo e para a Suiça, ficaram desempregados ou lá se safaram. Mas nenhum deixou a luta, nenhum traiu. E hoje são (quase) todos militantes do PCP.

No calor da luta por um mundo mais justo, a JCP ensinou-me que sozinho valho muito pouco. Eu, o dinheiro, a arte ou qualquer outra coisa… Ensinou-me o imenso valor dos outros e o potencial inesgotável da acção colectiva. Ensinou-me que sozinhos temos a extensão da nossa força, mas que, como dizia Neruda, com o Partido a nossa força não termina em nós mesmos.