Todos os meses, a Marktest apresenta um gráfico com as figuras mediáticas com maior presença nos quatro canais em sinal aberto, durante os espaços de informação, ou “telejornais”, como a história da televisão nos habituou a chamar. RTP1, RTP2, SIC e TVI têm, entre eles, oito espaços de informação diária, sendo incluído, e bem, o Portugal em Direto, na RTP1. A contagem anual do tempo que cada um é reveladora do que é o panorama da informação em Portugal.
Quem acompanha os dados ao longo do ano não ficará surpreendido com o balanço da propaganda que nos entra pelos olhos dentro todos os dias – e não sou só eu que o digo, mas já lá vamos. No gráfico abaixo, verificamos que António Costa (PS), Marcelo Rebelo de Sousa (PSD) e André Ventura (Chega) estão no pódio. Não deixa de ser curioso que, logo a seguir ao Primeiro-ministro e ao Presidente da República, a voz mais ouvida nos media seja a da extrema-direita. Seguem-se Rui Rio (PSD), Catarina Martins (BE), João Cotrim Figueiredo (IL), Inês Sousa Real (PAN), Luís Montenegro (PSD), Rui Tavares (Livre) e Fernando Medina (PS).
Não falta ninguém?
De todos os partidos com assento parlamentar, só o PCP não entra nesta contabilidade. O PCP, com seis deputados, merece menos tempo de antena do que partidos com apenas um. E muito menos do que o BE, com cinco. Podem avançar com as teorias que quiserem sobre a comunicação do PCP, a mensagem do PCP, o símbolo do PCP, o que quiserem. Não há “critério editorial”, o subterfúgio usado pelas direções de comunicação e editores, para justificar tudo e mais um par de botas, cardadas ou com pezinhos de lã. O PCP não entra nesta contabilidade porque os Órgãos de Comunicação Social (OCS) não querem. Há um cerco ao PCP na informação, ao mesmo tempo que se promove a extrema-direita que, hipócrita e falsamente, é comparada à esquerda.
A extrema-esquerda e a extrema-direita
A maior parte do jornalismo rendeu-se ao poder, seja ele rosa ou laranja, e, por isso, deixou de ser jornalismo. Passou a ser correia de transmissão de fontes mais ou menos anónimas que põem cá fora o que lhes interessa pôr cá fora. Vivendo nós num sistema em que o poder político é dependente do poder económico e vice-versa, a realidade que comemos todos os dias através dos OCS é a que interessa às classes que os dominam. É também por isso que surge esta equivalência entre extrema-esquerda e extrema-direita. Foi o Parlamento Europeu que deu gás à teoria da ferradura, em 2019, avançando na reescrita da História com uma resolução que equipara nazismo e comunismo. Os cascos que a usam avançam em todo o lado e já entraram no triângulo do poder político, económico e mediático, enquanto penteiam as crinas em redações, conselhos de administração e gabinetes do poder. Criam o monstro, alimentam-no e, mais cedo do que tarde, estarão a lamentá-lo.
O divórcio da realidade
Há um divórcio entre a realidade e o jornalismo, ainda que os jornalistas continuem sem disposição para fazerem autocrítica. Um inquérito que está a ser levado a cabo pela Universidade da Beira Interior indica isso mesmo: “os jornalistas evitam ser notícia e tendem a assumir o papel do “nós é que sabemos” e “têm muita dificuldade em ser escrutinados. Refletem pouco sobre eles próprios. Isso resulta do fator tempo, das sucessivas crises que levaram à redução das redações”, diz Pedro Jerónimo. O estudo aponta ainda que metade dos jornalistas inquiridos acham que os seus camaradas são agentes de desinformação. Há 50% dos 485 jornalistas inquiridos que acham que os colegas não cumprem com os seus deveres deontológicos e éticos. Sem querer antecipar quaisquer conclusões do estudo, que ainda está a ser elaborado, há motivos mais do que suficientes para estarmos todos, os que consomem e gostam de jornalismo, alarmados com a realidade do meio. Há um divórcio entre o que nos é transmitido e a realidade, logo, não há jornalismo. E, para 50% dos jornalistas, há, deduz-se, outros 50% que não fazem jornalismo.
Precariedade, baixos salários e opinião
A precariedade e os baixos salários são a realidade da maioria dos jornalistas, por outro lado, 36% trabalham remotamente. Dizia um jornalista, um dia destes, que os jornalistas perderam a noção da força coletiva da palavra “redação”. Talvez alguns a tenham perdido, outras nunca tiveram e a nova geração nunca a teve, porque as redações são hoje linhas de montagem de agências, cada vez mais vazias e, tirando para uma espécie de casta de jornalistas, comentadores, jornalistas-comentadores, resta muito pouco do que eram há 20 anos. A atomização do trabalhador, também no jornalismo, resulta numa ausência de sentimento de pertença a uma classe, guiando-se por um suposto protagonismo que é ter o seu nome a assinar uma peça num OCS. A única coisa que um jornalista tem é o seu nome. Os espaços de jornalismo foram perdendo espaço para a opinião, como se a missão de um OCS não fosse fazer-nos pensar, mas sim ensinar-nos o que devemos pensar. E até os pivôs de informação já acham que têm estatuto para servirem de consciência coletiva, com comentários e homilias sobre tudo e mais alguma coisa, da pandemia à guerra, deixando a objetividade de lado. Se as redes sociais fizeram um cerco ao jornalismo, os jornalistas colocam no lixo, todos os dias, os mantimentos de que necessitam para sobreviver. Confesso que ainda não percebi, e o estudo confirma-o, se o problema do jornalismo com a desinformação é a sua existência, ou o facto de ter perdido o seu monopólio.
O cerco
O PCP não entra nas contagens da exposição mediática dos OCS porque a mensagem é perigosa para quem manda. É por isso que, ao contrário da extrema-direita neofascista, convém que a mensagem não passe. O fascismo não é mais do que o capitalismo em esteróides, a defesa das mesmas classes dominantes que nos diz que o pobre ao nosso lado é pobre porque quer, ou é pobre porque tem subsídios, ou é pobre porque não quer trabalhar. Ao mesmo tempo, a espuma dos dias discute as indemnizações milionárias de administradores em lugar de discutir o sistema que as criou e as permite, as legitima. Afinal, se alguém se despede e leva 500 mil euros, é porque se esforçou para isso e qualquer crítica não é mais do que inveja. Dizem. E o problema é ser numa empresa pública, porque está criada a ideia de que qualquer empresa privada é um ecossistema onde as administrações fazem o que querem e, se os trabalhadores não quiserem sujeitar-se, podem sempre demitir-se e ir para outra empresa. Neste caso, se se demitirem, têm direito não aos 500 mil euros dos CEO deste mundo. Lá está, não se esforçaram para serem CEO, como aqueles da meritocracia hereditária, o 1% da população portuguesa que é dono de 20% da riqueza nacional.
A força
Aos comunistas e restantes democratas que não acham normal este silenciamento cabe a tarefa de dar a conhecer as propostas e o projeto do PCP, nas redes socais, nos locais de trabalho, nos canais de mensagens, entre amigos, rua a rua, porta a porta, casa a casa. A classe dominante não vai abrir as portas a quem acabar com ela. É a nós que cabe essa tarefa e fazer como fazem os Rage Against The Machine: “We don’t need the key, we’ll break in”*
*Nós não precisamos da chave, arrombamos a porta
25 Fevereiro, 2023 às
A minha leitura da realidade focada é coincidente com a vossa.
24 Fevereiro, 2023 às
Concordo.
Temos, neste momento, em vez de informação, desinformação!
Não só ” jornalistas” impreparados, como um modelo ” informativo” q , não prevê o
Contraditório.
Dá-se voz às mais variadas e pérfidas mentiras, ditas por políticos, grande maioria de direita,ou extrema direita, q para mim, estaria fora de uma democracia, sem os confrontar com a verdade, ou outras verdades.
Estás mentiras são transmitidas a um público q não tem, nem tem que ter, capacidade para as discernir.
24 Fevereiro, 2023 às
Muito pertinente este artigo e mais com a extinção do jornalismo de investigação perde a sociedade a sua visão crítica acente em dados sustentáveis em provas provenientes de uma investigação séria e deontológicamente estruturada
Houvesse alguém que numa redacção questionasse o porquê dessa opinião contra corrente e levasse esse “desafio ” ao seu editor; houvesse alguém para lá do PCP que questionasse o saneamento de figuras militares que desapareceram do comentário televisivo apenas porque deram uma visão ampla (no caso da guerra Ucrânia) das especificações geopolíticas para explicar um conflito; houvesse alguém que rompesse a mordaça do pensamento único das opiniões pret a porter no espaço mediático
Tudo e todos que se propõem, à luz dos nossos dias, ao perigoso exercício de questionar são devotados ao ostracismo e de descredibilização tal como acontece até ao conceituado prémio Pulitzer Seymour Hersh.
Se o mote musical escolhido é o de Rage against the machine eu sigo a mesma linha e proponho a música dos The Doors “Strange Days” para definar a nossa realidade actual
18 Fevereiro, 2023 às
A vossa visão é também a minha. Indesculpável é vergonhoso.
18 Fevereiro, 2023 às
Concordo com a grande maioria do que foi escrito