Património é História. A História não se privatiza.

Nacional

A cultura e o património devem ser vistos como um elemento que potencia o turismo, o que é muito diferente de dizer que devem ser geridos como as atracções de um parque de diversões.

Os vários Governos, dirigidos pelos partidos de organização e orientação burguesa – PS, PSD e CDS – têm vindo a conceber a política de cultura e património alinhados com a tendência que vai marcando as grandes capitais europeias, ou seja, a da gestão do património e das manifestações culturais como se de meras atracções turísticas se tratassem. Além de ser uma perspectiva redutora do potencial das expressões culturais e do património, é uma política que resulta na mera mercantilização do património. Se o património e os hábitos e tradições se tornam meras atracções, as pessoas tornar-se-ão figurantes.

A concessão de património edificado a privados para uma exploração comercial dos espaços, é só mais uma peça desta política de organização das cidades e das comunidades em função do turismo. Não apenas porque a dependência económica do turismo gera degradação das condições de vida das populações autóctones, mas também porque a organização social em função do visitante tende a construir cidades descaracterizadas, tão desprovidas de alma como a Eurodisney, em que tudo é pensado para facilitar o consumo turístico. As consequências são muitas: o comércio orienta-se para o novo cliente; a restauração orienta-se para o novo cliente e os trabalhadores orientam-se para o sector mais carente de mão-de-obra, tal como o investimento privado. Isto provoca desequilíbrios que, no médio prazo, se repercutem de forma dramática na vida e na economia da cidade e do país.

O turismo em si não representa problema algum, é a forma como se leva a cabo o seu desenvolvimento que está em causa. A propósito desta opção do Governo PS para concessionar o património histórico e cultural a entidades privadas para construção de unidades hoteleiras, agravada pela desprezível ideia de concessionar o forte de Peniche, devemos pensar o que queremos para a política de património e como podem essas opções promover o turismo e que turismo.

À parte a ideia de concessionar o forte de Peniche que revela um tremendo desprezo pela história da resistência antifascista levada a cabo em Portugal durante 48 anos e converge com a estratégia do capital para branquear a história do fascismo no nosso país e para apagar as suas consequências e essenciais traços, toda a opção de concessionar património se traduz numa inaceitável desresponsabilização do Estado perante uma tarefa que a Constituição da República lhe atribui. O património edificado e o património cultural são parte integrante da identidade colectiva e são as mais sólidas fundações da memória. Em alguns casos, o património cultural está também ligado a manifestações culturais e tradições.

A conversão de espaços patrimoniais em atracções ou unidades hoteleiras é a opção pela desfiguração do património. O turismo deve ser promovido porque Portugal vive as suas expressões culturais e tradições, porque o povo transporta para hoje a memória e a história colectivas, porque os portugueses gostam de fado, de sardinha, de louça, de fortes, castelos e igrejas, porque os portugueses gostam de jantar fora até tarde e aproveitar o sol, porque os portugueses gostam de teatro amador e profissional, porque cantam na rua, porque se sentam nos poiais, porque gostam de bailarico, de pescar na barragem e no mar, de cabeçudos, de foguetes, alguns de garraiadas e largadas, e tudo o mais que por esse país se fora se faz para desfrute próprio da população e não como figurante ou chamariz para inglês vir.

Uma política que ligue e integre a comunidade, as populações, ao seu património, que torne cada vez mais genuína a vivência colectiva das tradições e manifestações culturais, uma política que leve os museus e os palácios às pessoas e as pessoas aos palácios e museus, que não permita a degradação dos espaços culturais e do património, antes a valorize, que contribua para a elevação da condição social e cultural dos portugueses é uma política que promove o turismo da melhor forma. Podemos escolher reservar e elitizar os espaços, torná-los numa unidade hoteleira de luxo para os ricos dos outros países, que deixarão o dinheiro num qualquer grupo económico com sede fiscal num qualquer off-shore e pôr à disposição as nossas escolas para formar empregados de mesa, que será a única profissão para portugueses além de eventualmente figurante numa cidade convertida em cenário para férias idílicas de quem decida visitar Portugal.

Ou podemos optar pelo caminho inverso: investir no património, financiar as estruturas de criação artística e estimular a ligação entre a produção artística e o património edificado; dar às populações a possibilidade de usar esses espaços, de os frequentarem, de poderem saber a sua história e conhecer o seu passado, parte do passado do nosso povo e substrato do presente e do futuro. Eu, turista fosse, preferia visitar um país assim do que um parque de diversões com pessoas que não estão vestidas de rato mickey, mas de fadistas, varinas e pescadores.