Que paz na Colômbia?

Internacional

Passávamos largas horas a desfiar o tempo para cosermos o ritmo dos dias. De manhã, o céu estendia-se azul pelas montanhas e do verde das folhagens saltavam bandos selvagens de papagaios. Nada fazia crer que todas as tardes, mais ou menos à mesma hora, se desatava a tormenta. Foi entre o matraquear da chuva tropical que um dia me descreveu as vezes que o tentaram assassinar. Enquanto dirigente regional do Partido Comunista Colombiano (PCC), escapara tantas vezes à morte que já não me parecia estranho que se sentasse sempre de frente para a porta. Numa das vezes, os assassinos entraram pela porta e ele saltou pela janela. E quando meses mais tarde, no meio do tráfego, uma mota se aproximou da sua janela, a pistola encravou.

Em poucos lugares do mundo, a violência se abateu de tal forma e tanto tempo sobre a resistência de camponeses e operários. Desde 1984, foram assassinados mais de 2 mil sindicalistas colombianos. Mais de 64 por cento dos membros de sindicatos que são vítimas de atentados em todo o mundo provêm da Colômbia. É esta a realidade da barbárie que afunda aquele povo num mar de sangue desde que, em 1948, caiu abatido a tiro Jorge Eliécer Gaitan. O candidato presidencial de esquerda prometia um conjunto de reformas e arrastava as massas populares em comícios inflamados contra a oligarquia. Foi a sentença de morte.

Há uns meses, o Conselho de Estado deu a ordem de devolver a legalidade à União Patriótica (UP). Em 2002, o partido de esquerda não participou no processo eleitoral e o Conselho Nacional Eleitoral retirou-lhe a personalidade jurídica. Onze anos depois, as instituições colombianas foram obrigadas a reconhecer que a ausência eleitoral da UP deveu-se ao genocídio político de que foi alvo durante quase 20 anos. Entre 1985, data da sua fundação, e 2002, foram assassinados cerca de 5 mil militantes. Entre eles, dois candidatos presidenciais, oito congressistas, 13 deputados, 70 vereadores, e 11 presidentes de autarquias. O extermínio físico que regou de sangue este projecto político encabeçado pelas FARC e pelo PCC levou ao exílio de milhares de colombianos. Outros decidiram ficar e lutar, desta vez, de armas na mão. Foi o caso de Ricardo Palmera.

Em meados dos anos 80, Ricardo Palmera geria o Banco del Comercio na pacata Valledupar. Activista de esquerda e candidato da UP, debate-se com o ódio da oligarquia e do Estado colombiano que assassinam os seus camaradas. É então que toma a opção de abandonar a localidade e de enviar a sua família para o estrangeiro. Combina com o então candidato presidencial e líder da UP Jaime Pardo Leal um encontro para estudarem alternativas. A conversa nunca chegaria a acontecer. Jaime foi alvo de um atentado que abalou a classe trabalhadora colombiana e Ricardo Palmera decide entrar nas FARC. Adopta o pseudónimo por que é hoje conhecido – Simón Trinidad – e do banco leva consigo milhões de pesos para a selva.

Por estes tempos, abrem-se caminhos de esperança naquele país. Das lutas dos camponeses, mineiros, indígenas e transportadores, brotam novos projectos e ferramentas políticas que poderão num hipotético contexto de paz abrir a guerra contra a injustiça social. A Marcha Patriótica encabeçada por Piedad Córdoba e com a participação dos comunistas transporta muitas das ideias com que sonham os trabalhadores colombianos. E há poucas semanas, a presidente da UP no exílio regressou à Colômbia e convocou um congresso extraordinário. Não só se aprovou a direcção e o caminho a tomar dentro do processo de paz encabeçado pelas FARC e pelo governo como se anunciou a candidatura presidencial de Aída Avella.

Em Cuba, a delegação de paz das FARC liderada pelo comandante Ivan Márquez já anunciou que são importantes sinais para a paz. Mas não chega. Sem se cortar pela raiz as razões que desataram a tempestade de sangue e violência não se chegará senão à paz dos cemitérios. Aqueles que proclamam hoje que o fim da guerra só depende das organizações guerrilheiras não pretendem mais do que esconder que é a ganância da oligarquia que espalha a morte pela manutenção da pobreza e da miséria. Em nome dos lucros e da propriedade privada, morreram cerca de 220 mil colombianos em 65 anos de guerra. Não é pois a paz que importa à oligarquia e não é certamente a guerra que lhe preocupa. É a justiça social. Conquistar a paz não é, pois, uma questão de quando se calarão as armas mas antes uma questão de quando se repartirá a propriedade e os lucros de forma justa.