“Quem é que gosta de pagar impostos?”

Nacional

Ontem tomou posse no Ministério das Finanças a Comissão para a Reforma do IRS, e o seu presidente, Rui Duarte Morais, perguntava aos jornalistas se algum português gostava de pagar impostos. Segundo ele ninguém gosta e, ironicamente, dizia que sobre isso até devíamos ter um consenso nacional.

Pois bem, temo desapontá-lo, caro Rui, mas eu gosto de pagar impostos, sempre com o critério de que os meus impostos sirvam para pagar despesas inevitáveis do Estado, despesas que me garantam todas as necessidades básicas quotidianas.

Não estou disponível é para que os meus vários impostos, directos e indirectos, sejam aumentados para pagar uma dívida para a qual não contribuí em nada, zero, zip, niente. Para pagar PPP’s de serviços que o Estado teria capacidade de oferecer se não houvesse quem dele queira fugir menos na hora de o sugar, para pagar swaps e indemnizações por quebra de swaps, para financiar uma banca que se financiou mais do que devia e aonde não devia e que ainda por cima nos cobra taxas absurdas para manter aquilo que a faz existir, o nosso dinheiro. Para pagar serviços públicos de informação cuja estrutura foi propositadamente danificada e enfraquecida para que, a cada mudança no poder político, a cor da sua informação também mude, discriminando claramente as vozes mais incómodas. Não estou disponível para que os meus impostos durante anos e anos sirvam para financiar empresas públicas que até geram lucros e têm prestígio mas que depois, por causa de tudo que referi em cima, são privatizadas sob o pretexto falso de o privado ser muito melhor gestor que o público e oferecer muito melhor serviço. Então porque raio é que o privado passa a vida a querer financiar-se e assinar contratos leoninos com o público?

Quero pagar impostos, sim, e não estou preocupado com a percentagem que sai do fruto do meu trabalho para os cofres do Estado. Se viver num país em que toda a gente, através dos seus impostos, não tenha de pagar mais um cêntimo para ter acesso à saúde, à educação, aos transportes, à cultura, à informação democrática e plural, à protecção social no desemprego e noutras alturas mais frágeis da sua vida, nem me importo de pagar 80% de impostos. Os 20% que sobram? Cervejas, passeio, livros, filmes e Benfica. Vida.

O que esta “crise” nos tem demonstrado é que não são as funções sociais que encarecem e dão peso ao Estado, são as más gestões – propositadas em muitos casos – e os negócios ruinosos que quem nos governa decidiu fazer com o privado e a banca, tornando essas mesmas funções sociais num elemento de especulação financeira.

Há outra coisa que encarece o suporte financeiro do Estado: a criação de comissões para reformar isto e aquilo, cuja única função é legitimar as opções políticas do governo e criar uma aparente e efémera nuvem de consensos. Tudo dentro do maior pragmatismo, sem ideologias, claro.

* Autor Convidado
André Albuquerque