Há uns dias na rádio, notícia que não consigo localizar na rede, por inabilidade minha ou porque ela não está mesmo acessível para o consumo da pessoa que se quer informar melhor(?), ouvi que os cuidados de saúde prestados nas cadeias portuguesas estão desde o dia 1 de Janeiro deste ano em “serviços mínimos”.
Resumidamente, e para caracterizar o modelo de organização actual do sistema de saúde prisional português basta aceder ao sítio da DGSP onde se lê: “A prestação de cuidados de saúde é assegurada pelo Hospital Prisional S. João Deus (HPSJD) e pelas Unidades de Saúde existentes nos Estabelecimentos Prisionais, dispondo alguns de enfermaria que dão cobertura a vários Estabelecimentos Prisionais da respectiva Zona. Sempre que se justifica os reclusos têm acesso ao Serviço Nacional de Saúde” e “Em primeira instância, a prestação de cuidados de saúde é assegurada por todos os 49 EP, dispondo todos eles de efectiva assistência de clínica geral e enfermagem”.
Ora, são estes 49 EP’s que estão em “serviços mínimos” porque, e segundo o dono da empresa que ganhou o concurso internacional para a prestação de serviços de saúde (2012-2014), não há lugar a cumprimento dos pagamentos devidos pela parte do estado. Esta assistência clínica geral, e de enfermagem, será consubstanciada por visitas de um médico de clínica geral duas vezes por semana e algumas horas diárias de enfermagem que variarão consoante as necessidades de cada local.
Parece que anteriores governos de bons samaritanos “socialistas” ou sociais-democratas acabaram por concluir que a escassez de profissionais, sobretudo enfermeiros afectos à Direção Geral de Serviços Prisionais, só poderia ser resolvida pela prestação de serviços por pessoa coletiva e, tudo isto, a bem do chamado princípio de igualdade mínima de tratamento. Uma agenda ideológica, portanto!que trucida os direitos humanos e precariza relações laborais.
Mínima igualdade para quem está preso em relação aos cidadãos que usufruem do SNS, e sublinho a contradição da expressão: mínima igualdade. Obviamente que, não coloco em causa a especificidade de um serviço de saúde prisional, e não advogo a integração destes utentes todos nas unidades do SNS, a não ser por necessidade de tecnologia ou recursos humanos altamente diferenciados. A necessidade é a de um sistema de saúde que não possa ficar subordinado a interesses sobre lucros, a necessidade é a de um sistema equivalente ao SNS e que, tal como este, não seja vampirizado. O que está em causa é a igualdade de acesso aos cuidados, que neste caso é “mínima”. Não sabemos o quanto é mínima nem, como pela triagem que os cuidados primários fazem e pelas prioridade que imprimem, estão a causar danos máximos.
Do que encontro na rede, apenas a informação informal de uma associação, a ACED, que diz ter informações que passo a citar :“De uma cadeia central chegou-nos a informação de ter começado no dia 1 de Janeiro de 2014 uma outra forma de tratar com os problemas de saúde dos presos. Talvez apenas por falta de informação correcta, estas medidas estão a causar apreensão junto dos reclusos. Pelo que será eventualmente conveniente explicar claramente o que aconteceu e o que se espera que venha a acontecer nos próximos meses, a esse respeito.”
Importa saber que, a privatização com a consequente chegada a este estado de coisas, ou seja, o acesso precário a cuidados básicos, nos serviços de saúde nas prisões, não aparece por geração espontânea neste governo e é resultado de políticas de desinvestimento na saúde prisional e que, paulatinamente, vêm a colocar sob a alçada dos privados os pedaços do bolo que são mais apetecíveis: destruindo o quadro de pessoal e pagando com os recursos de todos o lucro de alguns. Também já houve quem propusesse a substituição de guardas prisionais por seguranças privados…
É certo que a concepção, ou consciência ,que temos sobre acesso à saúde, estado social, a privatização de serviços de saúde, serviço nacional de saúde ou a industrialização do complexo prisional, que bem conhecemos nos Estados Unidos da América e que nos deve fazer calafrios, pode influir na forma como ficamos chocados com o facto do sistema capitalista lucrar com a desumanização, saúde dos presos e exploração da mão de obra qualificada.
A táctica de estafada que está ainda surpreende, até aos mais conscientes, pela destruição social que acarreta quando falamos de seres humanos que estão presos: são mais vulneráveis do ponto de vista social, são sobretudo pobres, com menos acesso à educação e têm em relação à restante população muitos mais problemas de saúde (mentais, comportamentos aditivos, infecciologia..). Aqui, poderão dizer-me os que tiverem mais capacidade para ensaiar pontos de vista reacionários que, as pessoas de um modo geral estão-se nas tintas para os criminosos e que os trabalhadores, esses sim, precisam de cuidados de saúde com dignidade e acesso a um sistema universal, de qualidade e gratuito. Os idealistas dirão todos os criminosos, os materialistas sabem que são os filhos da maioria explorada os mais representados entre a população prisional e porquê.
Entre ficar chocado e agir, nas lutas dos dias, também há uma distância consciente que não vive só no mundo das ideias e é de classe.
Autor Convidado *
Liliana Sousa