Ser técnico de manutenção de aeronaves no país da austeridade, por João Silva

Nacional

Nos hangares da TAP o ambiente é de apatia e descontentamento. Os trabalhadores cumprem as suas tarefas com o rigor de sempre (que ainda hoje garante que seja a terceira companhia aérea mais segura de toda a Europa), mas sem o empenho de outros tempos. À medida que a privatização paira sobre nós, a força e a união de todos aqueles que lutaram para defender esta empresa parece esbater-se, como se tudo o que foi feito ao longo destes anos tivesse sido em vão.

Entre os que trabalham connosco, mesmo entre os mais velhos, já não existem muitos que tenham vivido o 12 de Julho de 1973, quando a polícia de choque entrou pelos portões da empresa adentro: 5000 operários que se manifestavam pacificamente em prol dos seus direitos foram selvaticamente corridos à cacetada, num acto de desafio à ditadura, ainda 9 meses antes do 25 de Abril. Muitos há, no entanto, que se recordam do dia 29 de Outubro de 1993, quando trabalhadores da manutenção invadiram a pista do aeroporto na reivindicação de salários por pagar, sendo vulgarmente reprimidos pelos bastões da autoridade. Já não era Marcelo Caetano quem governava, mas sim Cavaco Silva, que quando entrevistado em Bruxelas sobre os acontecimentos defendeu a acção das forças policiais, preferindo “beber champanhe à união europeia” do que comentar em profundidade o sucedido.

O que ficou destes episódios para nós, os mais novos, foi como sempre foi forte a intervenção de todos os trabalhadores na luta pela sua empresa, de como nunca tiveram receio de dar o corpo e a cara pelos seus direitos mais fundamentais. Muitas vezes foram incompreendidos pela sociedade, acusados de fomentarem demasiadas greves, de fazerem demasiadas exigencias. Mas que outra forma existia de garantirem os seus (e agora nossos) direitos?

Hoje está tudo diferente. Um certo cinismo paira no ar, um sentimento de impotência perante a realidade esmagadora dos factos: de que apesar de todo o esforço e empenho dos que aqui trabalham, a privatização parece ser inevitável desta vez. Mas existem ainda muitos que não baixaram os braços, que ao longo de todos estes anos de austeridade não deixaram de participar nas greves nas quais se lutou contra a retirada dos direitos obtidos desde o fim da ditadura. Que apesar do sentimento inexorável de que a empresa será vendida, não deixam de participar em acções e movimentos que se opõem à privatização. Que, apesar das circunstancias, ainda não perderam o seu sentimento aguerrido de desafio, como no dia 27 de Janeiro de 2012, quando numa acção espontânea e não planeada, os trabalhadores da manutenção fecharam o portão da empresa durante mais de 8 horas como protesto contra a sequência imparável de cortes nos subsídios e direitos conquistados ao longo de tantas décadas de sacrifício e sofrimento. Com eles estive em todos esses dias nos últimos 6 anos, desde que lá comecei a trabalhar. E a todos eles saúdo, por nunca terem baixado os braços perante a injustiça e a opressão.

Não podemos adivinhar o futuro, poderiam eles dizer se estivessem a escrever este artigo comigo. Mas só lutando por ele no presente poderemos dar às gerações seguintes os mesmos direitos que nós sempre tivemos. Dentro ou fora da empresa, estendo-vos a mão, chamando-vos para este combate que não é só meu, nem da Manutenção da TAP, nem do resto da empresa, mas de todo um país: pois os tentáculos da austeridade atingem-nos a todos, seja qual for a nossa profissão ou empresa, sejam quais forem os nossos sonhos ou perspectivas para o futuro. A TAP poderá ser vendida, mas não vencida. Reestruturada, mas não quebrada. Lutaremos até ao fim.

* Autor Convidado
João Silva, Técnico de Manutenção de Aeronaves, TAP