“Não sou nada nem ninguém para julgar alguém, mas de qualquer maneira, sou um ser, sem abrigo.” É assim que o António começa esta reportagem da TSF, “Só por hoje”, sobre quem vive sem tecto, oiçam-na, mesmo. E continua: “Sobrevivo. Viver, viver é só por hoje. Sempre. É a minha regra. Acordei de manhã, ’tá bom, se amanhã não acordar, olha, melhor ainda. Já foi! Já era!” Simples, e sempre com a voz perto de rebentar em choro.”Venha para um destes bancos e sente-se comigo.” Diz o Luís Carlos ao receber-nos na sua sala de estar, um jardim de Lisboa. Um dia sentou-se num desses bancos a ler, ainda tomou um café, para despertar, mas adormeceu. Entretanto passaram sete meses e o Luís continua por lá. Simples, e sempre com a voz perto de rebentar em choro. A dele e a minha.
O António é licenciado, o Luís Carlos está a uma cadeira de terminar o seu curso no Técnico. A Santa Casa quantificou o número de seres sem abrigo nas ruas da capital, e descobriu que 5% desses são licenciados. A rua já não tem classes, acolhe todos.
O António e o Luís Carlos dizem que a culpa de terem ido parar à rua é só deles. Eu não acredito. Os indivíduos cometem erros, desprotegem-se e são desprotegidos sentimentalmente e socialmente. A obrigação dos seres que conseguem manter o equilíbrio e a dignidade das paredes de uma casa, é perceber quais dos seus estão frágeis e sem forças para resistir, é fazer tudo para que estes seres não continuem sem abrigo.
O futuro é um sítio longe, e ninguém sabe se um dia sairá da sua zona de conforto, com um canudo na mão e o luar como tecto. Afinal é simples, basta adormecer…
* Autor Convidado
André Albuquerque