Sobre a relevância da ameaça lançada pelo PSD aos Verdes

Nacional

O episódio passou ao lado da maioria mas teve lugar, tem relevância e deve merecer reflexão sobre a qualidade da nossa democracia e os perigos que a estão ameaçando constantemente, de forma cada vez mais evidente: no período de declarações políticas da sessão plenária de ontem, na Assembleia da República, o PEV utilizou o seu tempo para fazer mais uma denúncia sobre a política do governo; em resposta, um deputado do PSD fez aquilo que normalmente faz a actual maioria quando a interpelação tem como protagonistas os deputados do PEV: ignorou olimpicamente o tema e concentrou todo o seu escasso poder de fogo no argumento do costume referindo que “Os Verdes nunca foram a votos, nem têm uma política exclusiva”.

O caldo entornou-se e o líder parlamentar da bancada do PSD ameaçou com a alteração das regras de funcionamento da AR: “Talvez o episódio de hoje nos deva forçar a fazer esta reflexão e a tomarmos decisões para adequar o funcionamento da Assembleia com a representação da vontade popular“. A ameaça faz lembrar recente debate travado na Rada ucraniana, que dominada pelas forças de extrema-direita que impuseram ilegal deposição do governo do país alterou o regulamento daquela assembleia no sentido de impedir a constituição de um grupo parlamentar comunista.

De resto o PSD não tem qualquer autoridade moral para questionar a legitimidade da representação parlamentar do PEV quando o Partido é parte integrante de uma coligação eleitoral que não apenas cumpre todos os requisitos da lei como se apresenta ao povo com as siglas e os símbolos dos partidos que a constituem:

Os deputados do PEV são eleitos pelo povo nos círculos eleitorais onde a CDU tem força suficiente para garantir a sua eleição – Lisboa e Setúbal – e na AR apresentam-se com total independência face ao grupo parlamentar o PCP, existindo exemplos concretos de temas nos quais o votos do PCP não é coincidente com aquele expresso pelo PEV.

O programa político do PEV, coincidindo em vários aspectos com o programa do PCP, distancia-se em inúmeras e relevantes matérias das opções do PCP, facto que não espanta nem coloca em causa a legitimidade por um lado e a utilidade por outro de dois partidos com tantos pontos de convergência se apresentarem conjuntamente a eleições.

Note-se aliás que, sendo a mais antiga e bem organizada força partidária portuguesa, o PCP tem uma longa tradição de se apresentar a eleições em convergência com outras forças políticas nacionais. Na verdade, apenas em apenas em 1976 concorreu sozinho a eleições legislativas. Em 1979, 1980, 1983 e 1985 apresentou-se integrado na APU – Aliança Povo Unido – e depois disso sempre no quadro da CDU. Assim, por uma questão de coerência, o PSD poderia muito bem alargar a ameaça formulada contra o PEV ao próprio PCP.

Por outro lado, quem é tão ligeiro na formulação de ameaças que envergonham a Assembleia da República e colocam a nú a estreita e deformada concepção de democracia da direita nacional, deveria saber que quem aponta um dedo tem outros três direccionados para si próprio. O PSD formou com o CDS uma coligação pós-eleitoral que não foi legitimada através do voto. O PSD tem igualmente feito eleger nas suas listas elementos de outros partidos – casos de Nuno da Câmara Pereira, ao tempo vice-presidente do PPM, ou Pedro Quartin Graça, então vice-presidente do MPT – sem apresentar no boletim de voto qualquer referência a estes partidos (nem sigla nem símbolos).

O sistema não tolera a diferença e se não o manifesta mais vezes é por puro instinto de auto-protecção. Uma ameaça do género lançada contra o PCP não passaria tão ao lado do país como aquela que, igualmente perigosa, foi lançada contra o PEV.

Ao PEV toda a minha solidariedade. Como votante da CDU, exercendo o meu direito de voto no círculo eleitoral de Lisboa, não hesito em contribuir com toda a confiança para a eleição do maior número possível de eleitos da CDU, incluindo aqueles que são independentes, militantes do PEV ou associados da Associação Intervenção Democrática, também ela parte da Coligação Democrática Unitária.

A democracia política é frágil em Portugal. É sabido que a democracia económica não existe, que as suas expressões cultural e social padecem de problemas gravíssimos que 38 anos de políticas criminosas foram destruindo e desmembrando. Parece-me que é tempo de perceber que há em Portugal quem queira formatar a “democracia” política às necessidades dos seus projectos de controlo absoluto. É tempo de acordar.