Vista grossa no Aleixo

Nacional

A foto é antiga. Aqueles edifícios castanhos que se vêem na imagem, tirada a partir de Gaia, mostram o que era, antigamente, o Bairro do Aleixo. Bairro de má fama, mais ou menos como o comum mortal vê a Comporta para os ricos, estão a ver mais ou menos a dimensão da coisa? Hoje restam três torres, se não me falha a memória do fim-de-semana.

Que havia problemas no Aleixo é inegável. A começar pela forma guetizada como foi concebido, como foram a maioria dos bairros sociais e como são ainda hoje alguns bem recentes. Mas o problema do Aleixo nunca foi só o tráfico de droga. Isso combate-se, quando e onde se quiser, desde que haja articulação entre apoios sociais. As demolições do Aleixo tiveram uma causa simples: uma vista daquelas sobre o Douro e sobre as caves do lado de Gaia não é para gente pobre. É uma vista toda grossa, cheia das curvas do rio e a transbordar da beleza das pontes.

Os condomínios fechados que começaram a cercar o bairro ajudam a provar isso mesmo. Seguranças à porta e tudo trancado a sete chaves, separados do ambiente que os rodeia, numa espécie de brasileirização social. Pobres de um lado do muro, ricos do outro.

Um pobre não pode ter uma vista bonita a partir da janela de casa.Isso paga-se. Paga-se com favores, claro está, porque quando acabarmos nós de pagar esta onda de choque nos bancos – e a manter-se a actual crença de que o problema é da supervisão e não do sistema – eles voltarão com toda a força. É cíclico.

Vem aí mais dinheiro da UE e o país do betão baterá outra vez à porta, agora com menos alcatrão, que já há pouco espaço no litoral para mais autoestradas. Daqui a dez anos estaremos a lamentar a forma como foram utilizados os fundos, os coveiros lamentarão as quotas de pesca e da agricultura, as derrapagens nos orçamentos e tudo o que já vimos.

O Aleixo foi demolido porque um pobre só pode ter outras janelas na frente das suas, ou paredes de armazéns, ou vistas para autoestradas. Um pobre tem de ter as vistas curtas, em todos os sentidos. Por isso nos roubam a educação, a saúde, a segurança social. Para estarmos todos com as vistas curtas, demasiado ocupados a sobreviver para nos preocuparmos com outras coisas. É a puta da necessidade que é maior do que a moral.

Um pobre tem de olhar para a reportagem da TVI sobre o caos nos hospitais e acreditar que é inevitável. Ouvir um filho da puta de um secretário de Estado dizer que estava tudo normal, com imagens que lembram a Síria, e fechar os olhos àquelas palavras, porque amanhã tem mais um dia para sobreviver.

Evidentemente que a demolição do Aleixo teve nada a ver com o tráfico de droga. Até porque não o resolve; deslocaliza-o para outros bairros e para outras zonas. Toda a gente sabe isso. Pode é querer ou não dizê-lo. O Aleixo teve o azar de ter uma vista linda, de dar algum alento aos pobres, num país melhor onde as pessoas estão pior, seja isto o que for.