Autor: Bruno Carvalho

Foi nos Estados Unidos mas podia ter sido na Amadora

Cresci num bairro operário da Amadora. O meu vizinho do lado era padeiro, o de baixo era mecânico e o do outro lado era carpinteiro. Nunca tive problemas com as autoridades. Quando era miúdo e passava pela rua que dava para a pastelaria Elvina, na Amadora, havia uma frase na parede que me intrigava: “Se a polícia nos protege, quem é nos protege da polícia? Mas aquilo não dizia nada à minha existência diária. Remetia-me antes para as realidades ficcionadas que vivia quando ficava a ler na marquise da minha avó. A repressão era algo que só existia nos livros do Zola ou do Emilio Salgari. Ler mais

Aos jornalistas que não são cães-polícia

Gosto de escrever histórias de piratas, ladrões, bêbedos e revolucionários. Como as canções de Fabrizio de André. A minha primeira reportagem foi um fiasco. Queria fazer um trabalho sobre o jardineiro senegalês que matou o presidente da Junta de Freguesia da Pena com uma maceta. Falei com ele uma vez ao telefone e tentei que mo deixassem entrevistar na prisão. Não deixaram. Para todos os efeitos, a primeira reportagem que escrevi na vida, ainda estudante, foi sobre uma operação policial espanhola contra vários jovens independentistas galegos acusados de terrorismo. Quando estagiei na Agência Lusa, a primeira notícia foi sobre um ataque do Movimento para a Emancipação do Delta do Níger. Ler mais

Uma bala é uma bala

Eu tinha acabado de chegar à rádio quando a emissão foi interrompida por uma mensagem urgente de Hugo Chávez ao país. Os acontecimentos sucediam-se em catadupa e a sensação era de que a história não era apenas uma disciplina mas algo que caminhava em cima dos ombros daquela gente. Nos bairros chiques da parte oriental de Caracas, os ricos sabiam pela primeira vez o que era ter insónias e insinuavam que as empregadas domésticas eram agentes chavistas. Ler mais

Bisnetos de Outubro e filhos de Abril

A revolução pode ser uma maratona mas também pode ser uma prova de velocidade. Se lutarmos por ela com a certeza de que vai ser uma prova de fundo, ficará arrumada numa gaveta chamada utopia. Se acharmos que lá chegamos com o velocímetro no máximo, podemos não ter forças para cruzar uma meta que não sabemos onde está. Como cantou Taiguara, o mais perseguido dos cantores brasileiros, “quem só espera não alcança e quem não sabe esperar erra feito criança”. Ler mais

Andar para a frente é com a luta

Detroit Industry Murals (1933) / Diego Rivera

É uma evidência, e não uma análise, que a CDU teve o seu pior resultado de sempre em eleições legislativas, depois dos piores resultados de sempre em presidenciais, em autárquicas e em europeias. Estes processos não podem, pois, ser vistos separadamente porque se dão de forma consecutiva e num espaço de quatro anos que representou um quadro substancialmente diferente daquele que houve até hoje no nosso país depois do período revolucionário. Mas esta é uma tarefa que não cabe certamente aos comentadores televisivos ou outros. Ler mais

Abaixo o caviar, viva o kebab

Há muitos anos que o jornalismo está a ser cozinhado em lume brando. Quando deixou de questionar o poder e passou a servir de apêndice dos grandes grupos económicos e financeiros, os principais jornais, rádios e televisões entraram numa espiral decadente que preferem atribuir às recentes transformações tecnológicas. Em momento algum lhes ocorre questionar se por acaso não terá algo a ver com a crise do sistema político e económico.

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Derniel Sol

Quando oiço a voz de Sérgio Godinho cantar que só quer a vida cheia quem teve a vida parada penso, inevitavelmente, naqueles que não quiseram descansar. A luz intermitente da paragem não me deixava encontrar o poema do Sarrionandia enquanto esperava o último autocarro. Às mãos, chegara-me um papel que dizia que morreu o Areosa Feio e lembrei-me do sentido de pertença. Se é verdade que não se morre quando não terminamos em nós mesmos, também é certo que ‘até sempre’ é a memória colectiva carregada em ombros daqueles que mesmo mortos caminham ao nosso lado.

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O futuro também começa hoje

Fez, ontem, 80 anos que o fascismo tomou Madrid. Abria-se aquela estrada para a barbárie que só acabaria sepultada seis anos depois em Berlim. Há uma melodia cuja bateria não deixa de tocar no palco da vida. Para nos lembrar que esta é uma guerra que não acabou. Como as cordas da guitarra de Sigaro que, apesar de já não estar, soam porque nos vibram na memória. Porque a indiferença é o peso morto da história, Sócrates trocou o Corinthians pela Fiorentina para ler Gramsci no idioma original. E os corpos agitam-se, como se estivessem preparados para a batalha. A que se desata entre quem através da lâmina da espada faz política na rua. Quando se produzem revoluções e contra-revoluções, não são os votos que definem os avanços e os recuos do pêndulo nos momentos cruciais da história porque da indiferença ao compromisso há um intervalo de coragem. São as ruas que impõem a viragem que se projecta no futuro. A democracia que se constrói nos subterrâneos.

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