O sportYou faz capa com uma citação de Che Guevara para ilustrar o protesto dos jogadores do Racing Santander, da terceira divisão espanhola, com cinco meses de salários em atraso.
Os jogadores entraram em campo e, após o apito inicial, juntaram-se em torno no centro de relvado, abraçados, enquanto os jogadores da Real Sociedad trocavam a bola. Foram 40 segundos que, se os adeptos quiserem, podem ter mudado o mundo do futebol.
No As, o vídeo acompanha a crónica do não-jogo e relata aquilo que considera uma “revolta cidadã“, embora seja bem mais profundo que isso.
Nas bancadas ouviram-se aplausos. O futebol tem este condão de colocar as pessoas fazer coisas irracionais. Afinal, onde já se viu aplaudir grevistas que têm apenas cinco meses de salários em atraso?
Há cinco anos o Racing foi quinto classificado no campeonato espanhol. Depois iniciou -se a derrocada, com dívidas acumuladas e a salvação vinda de um magnata indiano. Nada de novo, quando o futebol deixou de ser paixão e passou a ser acção. Na bolsa.
Há exemplos destes a rodos no mundo do futebol, cuja falta de fiscalização em torno das suas transacções se torna apetecível para quem pretende lavar dinheiro e para isso usa o modelo do futebol-negócio, tão à medida de todos os interesses, através da criação das SAD, que seriam a salvação dos clubes e, afinal, para os mais pequenos, são a sua desgraça.
Ali Syed havia já tentado comprar o Blackburn Rovers em 2010 mas a oferta foi rejeitada, fruto dos seus negócios duvidosos na área do petróleo, operações financeiras, imobiliária, tráfico de armas e branqueamento de capitais que lhe valeram a alcunha de “Maddoff indiano”. Syed comprou o clube em Janeiro de 2011. Em Outubro estava a ser investigado pela Interpol por delitos financeiros, tendo depois desaparecido.
Neste caso específico, Sied rodeou-se das melhores companhias, tendo até na sua gestão integrado na direcção do clube o presidente do PP da Cantábria, Francisco Pernía, entre outras personalidades relevantes, como por exemplo Jairo Lavín, afilhado do presidente do clube, Angel Lavín, e director da banda de Cornetas e Tambores del Santísimo Cristo de la Paz de Medina de Rioseco (Valladolid)..
Aqui entram as ligações perigosas do futebol com a política, os compadrios que se geram e o perigo que constituem para o dinheiro público. Para o nosso dinheiro. E aqui a questão deixa de ser apenas futebolística e passa a ser uma questão de boa gestão pública.
Nesta semana, em Matosinhos, a Assembleia Municipal discutiu a venda por parte da Câmara Municipal das acções do Leixões SC que havia comprado em 2002, por 400.000 euros. Naquela operação teve forte influência a dimensão do Leixões na comunidade matosinhense e, em ano eleitoral, PS, PSD, CDS e Bloco de Esquerda votaram a favor. A CDU votou contra. Anos depois, foi efectuado um novo reforço de capital de mais 200.000 euros, com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS, a abstenção do Bloco e o voto contra da CDU.
Certo é que hoje os 600.000 euros investidos numa SAD – e não num clube – valem apenas 10.000. Perderam-se nestes anos 590.000 euros de dinheiros públicos para ganhar votos.
De acordo com a lei recentemente aprovada, as Câmaras Municipais não podem deter participações em SAD que tenham três anos consecutivos de prejuízo. Mesmo assim, na segunda-feira, PS e PSD votaram contra a saída da Câmara Municipal da gestão da SAD.
Que o mundo do futebol acorde para esta realidade. Em Portugal, que o Sindicato dos Jogadores pare com ameaças a que já ninguém liga e que se organize como defensor daqueles que deve representar. Porque há em Portugal casos dramáticos de jogadores de clubes fora da meia-dúzia de sustentáveis – ainda que com enormes dívidas – que têm de merecer a devida resposta por parte da sua organização de classe. Haja tomates.