A pingoleta, o garfo, a prostituta e o universo

A recente investida tauromáquica protagonizada por José Rodrigues dos Santos contra o secretário-geral do PCP, causou, muito estranhamente, reacções de estupefacção e escândalo em muito boa gente. Pelas opiniões negativas verificadas um pouco por todo o lado, mesmo por não comunistas, parece ter havido quem olhasse para o “one man show” que é, há muito, o telejornal da RTP – e cujo “one man” é “só” alguém que, dois mil anos depois, diz ter revelado a verdadeira identidade de Jesus Cristo (num romance) – e ficasse convencido de que poderia sair dali uma banal e simplória entrevista a sério. Houve mesmo, ao que tudo indica, quem se sentasse diante do televisor naquela noite e, pasme-se, entre um simples dirigente de um partido político e um escritor que entusiasmou milhões em todo o mundo com o erotismo de uma sopa feita com leite da mama de uma sueca loira e curvilínea, e achasse que o segundo ia simploriamente fazer perguntas básicas de “interesse público”, ou interpelar um convidado somente acerca do acessório “futuro do país”. Como assim?

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Os Índios da Meia Praia

Foto: Festa do Avante

Zeca Afonso ajuda-nos a introduzir neste texto a temática incontornável dos vários processos eleitorais deste ano, e de tudo que faz falta compreender haverá algo desde já a reter: o PCP é a única força política que propõe a transformação da sociedade e a CDU a coligação, que em contexto eleitoral, responde aos anseios da larga maioria da população.

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Já está no ar a Cassete Pirata #8

📼 🏴‍☠️ O oitavo episódio da Cassete Pirata, o podcast do Manifesto74, tem como tema central as eleições nos EUA, a guerra na Ucrânica e a situação internacional e conta com a participação de:

– Álvaro Figueiredo, António Santos, Bruno de Carvalho e Simão Bento.

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Emergência e submissão: “Die Welle” e o apelo da extrema-direita (Parte I)

Embora não possamos apontar, com certeza, quando recomeçou a ascensão dos movimentos de extrema-direita – uns mais orgânicos, sustentados em partidos políticos, e outros menos -, tendo em conta que parece não existir propriamente uma quebra nas suas manifestações desde a II Guerra Mundial e a experiência do nazi-fascismo na Europa até hoje, é inegável que o evoluir da situação social e política em cada país da Europa (e fora dela) trouxe ferramentas e discursos novos a estes movimentos.

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Crónica de uma morte anunciada

A primeira frase do livro do maior escritor que a Humanidade nos deu, e que pedi emprestada para o título deste texto, reza assim: “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nassar acordou às 5.30 para esperar o barco em que chegava o bispo”. Gabriel García Márquez desenhou uma trama que nos relata como toda uma aldeia sabia que dois irmãos gémeos, Pedro e Pablo Vicário, matariam aquele jovem de 21 anos, mas ninguém avisou o pobre Santiago.

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8 de março, Dia Internacional da Mulher: o mito original e outras fábulas mais ou menos modernas

O Dia Internacional da Mulher foi, da sua origem aos dias de hoje, avançado e defendido por comunistas, expressando, de modo inequívoco, a visceral ligação entre a luta pela emancipação das mulheres e a luta pela libertação da classe trabalhadora.

Passado para lá de um século do mais selvagem liberalismo e reformismo, as raízes comunistas foram-se vendo cobertas por um estéril composto de “empoderamento feminino” e outras falácias individualizantes, artificialmente gerado a partir de algumas das mais reaccionárias fábulas: uma espontânea origem norte-americana, impermeável ao projecto soviético e dependente da democracia burguesa como marco maior de igualdade.

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A fractura exposta

Desde a entrada para o mercado único europeu, especialmente com a entrada no “pelotão da frente” da adopção do marco alemão travestido de novas vestes e nome, que os trabalhadores portugueses têm vindo a sofrer as consequências das opções dos traidores de Abril que até aqui nos trouxeram.

Fizeram-no com a pompa e circunstância que a classe dominante entendeu atribuir ao projecto “europeu”, fizeram-no porque rapidamente perceberam que a entrada de Portugal num projecto federalista – colonizador da periferia e assente na institucionalização do capitalismo – seria uma das formas mais eficazes de travar o desenvolvimento do projecto de Abril. Na altura PS e PSD competiam em Portugal para ver quem alinhava com mais afinco na moda europeísta, quem diziam com mais convicção que íamos ganhar como os alemães e que não podíamos ficar de fora porque seríamos excluídos e ostracizados.

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Yaka, voz da descolonização

Imagem do documentário "Independência", de Fradique (Mário Bastos), 2016

Erro de Português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Oswald de Andrade, Pau-Brasil, 1925

Um poema escrito por um brasileiro, na década de 20, para dar início a um artigo sobre um romance angolano, escrito nos anos 80? Passo a explicar — Oswald de Andrade, aludindo a um registo de Pero Vaz de Caminha (23 de Abril de 1500), refere-se à chegada dos portugueses ao Brasil, durante uma tempestade, entre ventos de sueste e copiosos chuvaceiros. Ao “vestir o índio”, os portugueses estariam, literalmente, a agasalhá-lo, e, figurativamente, a impor a sua cultura, numa tentativa de civilizar os povos nativos. Depois, apresenta um cenário avesso, alternativo, que desconstrói a pretensa grandeza épica dos Descobrimentos através da inversão de papéis — “Fosse uma manhã de sol”, um dia bom, e o índio não seria submetido à dominação colonial; teria “despido o português” ou, melhor ainda, tê-lo-ia despojado da sua ambição usurpadora. Yaka, de Pepetela, começa pela tempestade, a violência colonial, e termina anunciando a alvorada soalheira que firmou a independência de Angola. Tendo como fio condutor a longa vida de Alexandre Semedo, personagem principal e colono de origem portuguesa nascido em Benguela, o autor faz um retrato brilhante e historicamente rigorosíssimo das várias fases da luta pela independência, em Angola, e a progressiva descolonização do imaginário de Alexandre. O patriarca da família Semedo é, de facto, “despido” de todos os seus preconceitos, aspirando, no final da vida, não à extensão do seu privilégio, mas à libertação do território angolano. 

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