O Espaço Chegan

Não tivesse havido aquela votação expressiva num partido de extrema-direita – que alguns inocentemente continuam a tomar por «zanga com o sistema» -, os vários «senadores» da direita alegadamente tradicional e moderada, não teriam saído da solidão das suas cavernas para recuperar, de cara destapada, certas bandeiras reaccionárias já superadas pelo progressismo (possível) das mentalidades e das democracias políticas nas últimas décadas. Esses transportadores de antiguidades ideológicas, resquícios mais mortos que vivos da decrepitude de outros tempos, sentiram que o «ambiente» que, entretanto, se instalara no país acaba por ser, pois, bastante propício, acolhedor, bafiento o suficiente para a sua mensagem prosperar sem grande alarido. Sabendo que, pelo menos, 20% da população será chão fértil às sementes das suas velharias mentais, lá procuram lançar à terra lavrada os preceitos castradores da liberdade e das liberdades conquistadas (a ferros), sob pretexto de uma moralidade peçonhenta que se esqueceu de morrer. Fazendo-o nas barbas de Abril, à laia de provocaçãozinha subtil, vêm mostrar de forma evidente o quão perigosos são os tempos em que vivemos.

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Quantos pobres são precisos para fazer um excedente?

O canto do cisne socialista aí está: um excedente orçamental entonado com altivez e vaidade, com pompa e circunstância, tamanhos números nunca vistos em democracia, mas bem sentidos na pele, ora não fosse essa folga arrancada do suor dos trabalhadores portugueses e do assalto aos serviços públicos e com o seu desmantelamento.

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mil vezes abril

Em 2022, o CDS desapareceu do parlamento português e só foi ressuscitado pela necessária bondade de um PSD perdido, querendo estender a mão à direita mais reaccionária e retrógrada, mas sabendo que isso lhe custaria votos. Não se ouviram nem leram, por essa altura, tantos cântigos fúnebres como os que ouvem os comunistas desde a sua fundação.

A extinção eleitoral do CDS, não apenas não mereceu dos donos disto tudo e seus papagaios a exaltada e estafada celebração da decadência eleitoral e o anúncio de morte, como lhes assegurou a continuidade da sua presença em diversos órgãos de comunicação social, com honras de comentadores em horário nobre, sem direito a contraditório, sem questionamento, levando para casa os seus milhares de euros para regurgitarem o volutabro que nos pretendem enfiar pelas cabeças abaixo. Nunca houve hora da morte nem certidão de óbito para o cadáver mais evidente da democracia portuguesa, pelo contrário, houve dois anos de custosa e penosa reanimação. Já o PCP, ainda o muro de Berlim não havia caído e tinha a sua morte traçada e decidida.

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E no entanto ela estupidifica-se

Fica desde já a nota e em jeito de aviso prévio: se alguém, por acaso, estiver aqui à espera de um artigo que tente normalizar, inocentar ou desculpabilizar, directa ou indirectamente, o 1 milhão de votantes – e nem que fossem 50 milhões… – num partido de extrema-direita em pleno século XXI, pode, desde já, tirar o cavalinho da chuva. Se alguém estiver à espera da narrativa ou teoria de que «isto é só gente indignada» ou «revoltada», pura na sua sacrossanta ingenuidade, que saiu de casa, naquele dia, para ir «inocentemente» colocar um voto num partido de gente que acha que o lugar dos pretos é em África, que o dos gays é numa ala psiquiátrica, que o das mulheres é na cozinha, que as vacinas são chips e/ou transformam pessoas em jacarés, que os ciganos devem ser deportados, ou de que no tempo do fascismo, da fome, da censura, da polícia política «é que isto era bom», pode já parar por aqui. Porque aquilo que aqui se dirá, ou escreverá, a respeito de o que se passa não apenas em Portugal, mas em muitas outras latitudes do mundo actual é que não há outra forma objectiva, concreta e factual do que chamar «estupidificação colectiva» àquilo que é, de facto, «estupidificação colectiva», ou «fascização crescente e progressiva das sociedades» àquilo que é, indiscutivelmente, a «fascização crescente e progressiva das sociedades».

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Chegará o dia das surpresas?

Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão-de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.

José Saramago

Alguém já decidiu o resultado das próximas eleições por nós. E os ecos dessa decisão já estão por toda a parte. Nos jornais e televisões, nas redes sociais, nos comentadores e nas sondagens, nos próprios beneficiados que aproveitam a onda e embalam nela. Já se sabe que a maioria é esta ou aquela, que partido A vai coligar-se com B, que partido A governará sozinho, que partido B fará acordo ou não fará acordo, que o cenário será este ou aquele, que este vai ganhar e aquele vai perder, e tudo com a mais cristalina das certezas. Apesar de variarem os rostos, variarem partidos e coligações, maiorias ou minorias, há um «corredor» e um destino para o qual inevitavelmente já nos atiraram e do qual não vamos conseguir escapar.

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Palestina, Livre

Na semana passada, PS, PSD, IL, BE, PAN e Livre votaram a favor de um Projeto de Resolução com vista ao reconhecimento da Palestina. Ou nem por isso. A fidelidade canina de Rui Tavares à UE e a uma esquerda não-marxista, seja isso o que for, significou um recuo naquilo que deveria ser o reconhecimento imediato do Estado da Palestina pelo Parlamento. A embaixada israelita em Portugal, com quem Rui Tavares participou numa photo-op não há muitos dias, terá ficado grata.

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Anatomia de um processo revolucionário: Greve, de Sergei Eisenstein

Em 1918, Sergei Eisenstein abandonou a escola para se alistar no Exército Vermelho. Mais tarde, é no cinema, entusiasmante arte por desbravar, que continua a combater aguerridamente pela construção do socialismo, após uma breve experiência no teatro agit-atracção, ramo experimental e eminentemente politizado. Greve (1925), a sua primeira longa-metragem, é bem mais do que um filme, tendo-se tornado, desde a sua estreia, num marco do cinema soviético que influenciaria os seus contemporâneos, como Dovzhenko ou Ermler, pois o conjunto de inovações técnicas que apresenta, por si só, encabeçavam, na sequência da Revolução de Outubro de 1917, uma nova revolução no que concerne às artes. Parte inaugural de uma série de filmes que reconstroem a luta atribulada dos trabalhadores, na Rússia pré-URSS, e cujo fio condutor é a urgência da ditadura do proletariado, Greve é uma colaboração entre o centro cultural Proletcult e os estúdios Goskino, que se encarregaram da sua distribuição. Embora não tenham chegado, em massa, ao público internacional, até às décadas de 50 e 60, Greve e as demais obras do cineasta despoletaram reformas várias na forma de fazer cinema, particularmente, na Europa. A sua descoberta simboliza um momento de viragem para o cinema de todo o mundo, que se sentou boquiaberto e tomando notas, absorvendo os seus contributos para o desenvolvimento da sétima arte. Hoje, nem Eisenstein está datado, nem a Greve é temática obsoleta.

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Morreu-nos a Odete

Morreu-nos a Odete e isso não é dizer pouco. Membro do PCP desde o ano da Revolução de Abril, que nem semente vermelha que veio para crescer e fazer crescer, deu um corajoso contributo para a luta do povo português.

Tornou-se, enquanto deputada comunista, num rosto e numa voz incontornáveis do Partido da classe trabalhadora. A generosidade e frontalidade com que enfrentava os adversários políticos e ideológicos impunham o respeito que apenas as palavras sobre a crua verdade da vida de cada um conseguem.

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