Autor: António Santos

94 anos: a nossa História é a luta de um povo

No assento do comboio, repousa um jornal que aparenta não ter dono. Nele tropeçam os olhos uma e duas vezes, na viagem entre a janela e os outros passageiros. Bem podia ser o Metro ou mesmo o Destak, mas a diagramação que inunda em letras a folha larga, trai a gratuitidade tabloide. Que jornal este, que é livre sem ser grátis e é honesto sem ser imparcial? Que se deixa no comboio sem nunca o abandonar e, ainda assim, é de todos tendo afinal um dono?

Nada disto poderia saber o dono dos olhos que cobiçam o periódico. Agarrado e levantado, desdobrado e sacudido, deixa à vista a foice e o martelo cruzados sob a estrela apontando um vértice a cada um dos cinco continentes. “94.º aniversário” lêem os olhos “do Partido Comunista Português”.

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Serei preso por “apologia do terrorismo”?

Não sei se vou ser preso por escrever isto. Não estou a brincar. É que eu defendo os objectivos e as acções das FARC-EP e da FPLP, entre muitas outras organizações armadas que lutam pela emancipação dos seus povos. E agora, com as propostas de lei aprovadas na semana passada em Conselho de Ministros, basta a consulta de um site para impor o estado de excepção e deter qualquer um.

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As 50 sombras de Guedes

Qual Esdras pedindo perdão a Deus, Jean-Claude Juncker veio expiar publicamente os seus pecados contra os povos vilipendiados pela UE. Para o Presidente da Comissão Europeia e ex-presidente do Eurogrupo, a troika “pecou contra a dignidade” de portugueses, gregos e também irlandeses.

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A Cova da Moura não caminha só

Costuma-se dizer que na Amadora há bairros em que a polícia não entra, mas não é verdade. Nesses bairros, o que não entra é a Constituição da República Portuguesa. É preciso dizê-lo claramente: a Cova da Moura é um bairro de trabalhadores. Gente que todas as manhãs desce a encosta íngreme de ruas labirínticas para ir levar os filhos à escola e depois, quando há trabalho, ir trabalhar. Quem conhece o Alto da Cova da Moura depressa aprende a admirar a criatividade, a alegria e a solidariedade desta comunidade que, desafiando a exclusão dos governos, a pobreza imposta pelo capitalismo e as condições de vida, tantas vezes miseráveis, consegue ser um exemplo de dignidade para Portugal.

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Sauditas e Wahhabitas – Mil e uma noites de hipocrisia e terror*

Os estado-unidenses têm uma forma curiosa de lidar com a morte. No velório, em vez do pranto e das assoadelas, escuta-se o álbum favorito do falecido e contam-se anedotas sobre a sua vida. E o cemitério, que dificilmente um português escolheria para um agradável piquenique, é, para o americano, apenas um relvado: sem cruzes tétricas nem largos lutos, nem nada de lúgubre até onde a vista alcança. E no entanto, nem os mais pronunciados matizes da cultura, nem os sempre complexos rendilhados da língua, explicam o singular critério de Barack Obama para a morte de outros chefes-de-estado.

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Temos bons professores

A recente divulgação dos resultados da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) desembargou um aluvião de reproches à inteligência dos professores portugueses. A direita, rosnenta perene da educação, lambeu os beiços: tinha por fim o seu libelo de sangue contra os professores. Diligentemente, nomes costumeiros como Henrique Monteiro, do Expresso e Alexandre Homem Cristo, do Observador, perfilaram as penas cediças para o insulto: os professores são estúpidos, privilegiados, ignorantes e pior ainda, vêm de famílias pobres. Mas um pouco por toda a comunicação social, o ataque aos professores estabeleceu-se como atestado de inteligência, uma espécie de catarse pública para expurgar as entranhadas ignorâncias particulares.

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O meu amigo Abdul

São dez da manhã e ele não estava lá. Não sei ao certo há quantos meses o conheci, talvez seis, talvez mais. Costumava estar ali, na rotunda do Marquês de Pombal, com a constância das manhãs e da estações, a entregar o Destak ao enxame que desagua do metro sempre à mesma hora. Alto, passo firme, ágil a entregar os jornais, gorro encarnado bem seguro sobre a calva. A pele negra e gasta dava-lhe um ar amarrotado de quarenta anos, mas os olhos adolescentes traíam-no. As primeiras vezes que me estendeu o jornal, só aceitei porque custa mais despachar dois mil jornais do que deitar um no lixo. Nunca tenho tempo para o ler e aquele jornalismo telegráfico e gratuito, que pontua como asteriscos as grandes publicidades a champôs, envergonharia até a secção “Insólitos” do Correio da Manhã.

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