Autor: António Santos

Cavaco e o segredo de Polichinelo


Cavaco Silva cheira a mortos. O bafio sentiu-se deste lado das televisões mal começou o anúncio necróforo. Esta noite, o presidente veio dizer que se está a marimbar para os 63,17% dos eleitores que não aceitam a continuação da política do PSD-CDS/PP. A carcaça veio dizer que só conta o partido dele.

Ainda ninguém tinha votado e já ele nos estava a avisar que já sabia o que ia fazer, mas que não podia contar. Depois, disse que tinha estudado todos os cenários e que era só saber em qual desaguavam os resultados do escrutínio. E ao terceiro dia, o amumiado chefe de Estado revelou o que, afinal, já toda a gente sabia: enquanto ele for presidente, Portugal há-de ser só dos ricos. Foi o chamado segredo de Polichinelo.
A Constituição que Cavaco jurou cumprir é clara: «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais». Mas cavaco só está interessado em cumprir com «as regras de disciplina orçamental» e «os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português com a NATO, a União Europeia e a Zona Euro». São estes os únicos compromissos de Cavaco, que nem esperou pela publicação dos resultados oficiais.

Cavaco presume que mais ninguém tem condições de governabilidade porque quer escolher ele, independentemente dos resultados eleitorais, quem vai governar.

O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais
N.º 1 do Art.º 187 da Constituição da República Portuguesa

O que resta à maioria de milhões de eleitores defraudados pelo presidente? Esperar quatro anos? Não! O que se faz quando as regras mais elementares da democracia não são cumpridas? Fazer compromissos os usurpadores? Não! Como se responde a um golpe de estado encapotado? Com a próxima assunção de «esquerda» de um PS moribundo e senil? Não! Só nas ruas se repõe a legalidade constitucional; só a luta abre caminhos; só o povo salva o povo.

Não é propaganda, é literatura, estúpido

Esta história é verdadeira, mas eu preferia que não fosse. Aconteceu esta manhã no trabalho, mas eu preferia ter ficado na cama. Já estão a ver, pela feição de pôr a história breve ou pela melancolia sáfara com que já me quis esquivar, que isto não pode ser propaganda. A propaganda é sempre optimista, mas às vezes o coração não deixa e precisamos da literatura. Olhem, senhores da CNE, se duvidas restarem, a protagonista nem sequer é comunista, mas eu suspeito que é só porque não sabe que o é.

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15 falácias para não votar CDU

Volvidos 39 anos de retrocessos sociais marcados pela continuada aleivosia de três partidos (PS, PSD e CDS-PP) que se alternam, ufanos, no poder, muitos portugueses parecem presos, na hora de votar, a velhos preconceitos. Extraordinariamente, mesmo diante de uma força política diferente e com décadas de provas dadas, há quem aposte por castigar a austeridade do PS votando no PSD, para, no acto eleitoral seguinte, punir o PSD votando no PS, (que desta vez é que vai ser diferente, não é?). A má notícia é que as arreigadas (mas espúrias) crendices sobre a exequibilidade política da CDU têm vaticinado o país a prosseguir o mesmo caminho de pobreza e injustiça. A boa notícia é que os argumentos de quem se recusa apaixonadamente a ver o óbvio são, regra geral, fáceis de compilar e desmontar.

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Alerta antifascista… e na primeira linha o partido comunista!

Os patrões condenam, os jornais escondem, os fascistas atacam. Um grupo de neonazis atacou, esta tarde, pelo menos três pessoas, entre as quais uma que saía do comício da CDU que encheu, esta tarde, o  Coliseu dos Recreios. Quantas páginas dedicará à versão das vítimas a próxima edição do Expresso?

Foi assim durante toda a tarde: a pretexto de uma manifestação contra a «islamização», capangas fascistas percorreram impunemente as ruas de Lisboa, provocando negros, comunistas e homossexuais.

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Fascismo americano: as raízes de uma nação sob deus*

Ao avesso do tradicional ramerrão eleitoral da direita portuguesa que, de quatro em quatro anos, prega um discurso tacticamente moderado nos mais empedernidos candidatos conservadores, a antecipação do escrutínio presidencial estado-unidense dá azo a uma invulgar competição de reaccionarismo entre os dirigentes do Partido Republicano.

Ao passo que para o PS, PSD ou mesmo CDS-PP, um acesso de frontalidade equivaleria a cometer harakiri político, nos EUA, os homens que se perfilam para a nomeação republicana assumem as mais virulentas declarações de guerra ao progresso como um trunfo mediático.

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A maior festa das nossas vidas

Começa amanhã, quando ribombam os tambores. Na fila costumeira que antecipa a hora, a gente olha-se uns aos outros em absortos sorrisos de aqui termos chegado juntos e alguém pergunta: «A minha primeira festa, sabes onde foi?». E depois, fala-se da poeira do Jamor, dos pedregulhos do Monsanto, das ameaças na Ajuda.

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Diz-me as tuas fontes e dir-te-ei se és parvo

Circula na internet um texto em que se acusa os EUA de estarem a patrocinar a vaga de refugiados que, durante estes dias, entra na União Europeia. Neste texto, pergunta-se como é que esses refugiados conseguem o dinheiro para pagar o passe e cita-se uma «fonte anónima» que confirma que existe uma estratégia norte-americana em curso para encher a Europa de «migrantes».

Mais tarde, esta noite, deparei-me com outro texto vergonhoso, que avisava que na «invasão silenciosa» de refugiados, estão a passar muitos «terroristas». Esta informação, por seu turno, não vinha acompanhada de uma «fonte anónima», mas de uma fotografia em que se pode ver um homem vestido com uma farda e, mais tarde, à civil. Prova indisputável.

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Migrantes, ciganos e untermensch

Pergunta para queijinho: que nome se dá a uma pessoa forçada a abandonar o seu país para fugir a uma guerra civil ou a outro tipo de catástrofe humanitária? Se «refugiado» foi a palavra em que pensou, está desactualizado. Dos autores de «colaborador» e «empreendedor», chega-lhe agora «migrante» a mais recente aquisição lexical da comunicação social da classe dominante.

A semântica da luta de classes é um dos termómetros mais fidedignos das estratégias em confronto. Quando as pitonisas da comunicação social dominante nos dizem que uma criança palestiniana morreu no «fogo cruzado», quando atirava pedras num «território disputado», o que no fundo querem dizer é que o valor da vida humana varia na proporção directa do lucro que possa gerar.

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