Autor: Maria Neto

4 de Fevereiro

Assinalam-se hoje, 4 de Fevereiro, os 53 anos do início da luta armada em Angola e, consequentemente, o início da guerra colonial ou guerra de libertação.

Em boa verdade, a resistência à ocupação terá começado no dia em que os portugueses pisaram o território que hoje é Angola, em 1484. Foram quase 5 séculos de conflitos permanentes: quando os portugueses perceberam que não encontravam ouro no curso do rio Cuanza resolveram explorar uma outra riqueza, a força de trabalho. Ler mais

É cada vez mais intenso o cheiro a naftalina

Nos anos 80 e 90 havia em Portugal um desodorizante que se chamava Impulse. Aquilo tinha um cheiro enjoativo e o produto só terá tido um êxito estrondoso graças aos impactantes anúncios que passavam na televisão, e que ainda hoje ocupam a memória de uma boa parte dos portugueses com mais de 30 anos. Nas várias versões do anúncio via-se uma mulher, que se borrifava profusamente com Impulse – e profusamente não é um exagero: a mulher aspergia-se desde os joelhos até ao queixo (cada embalagem devia dar, no máximo, para uma semana, naquela época ainda ninguém sabia que os aerossóis são inimigos do ambiente). Ela saía então para a rua e causava grandes “estragos”. Aparecia-lhe subitamente um homem que lhe oferecia um ramo de flores. Então ouvia-se: “E se um desconhecido lhe oferecer flores… isso é impulse! … Impulse, só não a protege de um grande amor”. Mas os anos passaram e as portuguesas, vendo que nenhum estranho lhes oferecia flores, desistiram de cheirar a xeltox perfumado e mandaram o impulse à fava. Uma pesquisa rápida mostra que ele ainda existe e anda pela Argentina a enganar as mulheres.

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Românticos

“A cidade vive uma das suas noites de Inverno, sem suspeitar do drama que vai rebentar: e não só Moscovo, mas Paris, Nova Iorque, e Istambul, e Singapura, e Pequim, todas as cidades do mundo inteiro o ignoram ainda. Todas continuam a viver a sua vida, umas em plena luz, outras ainda no alvorecer, e noutras sente-se já o calor do meio-dia, todas com as suas preocupações, as suas alegrias, as suas esperanças, os seus desgostos, os seus automóveis, os seus fiacres e os seus riquexós, e as suas fábricas e as suas lojas e as suas casas de pedra ou de madeira, e todas essas pessoas que vão para o trabalho ou que voltam para casa, ou passeiam, ou estão sentadas nos cafés, ou se beijam nos parques ou enchem os cinemas, e os que nascem, e os que morrem. Salvo algumas pessoas na Terra, ninguém ainda sabe a notícia que vai abalar o mundo. Ler mais

Doentes mentais

Na sala de espera do hospital psiquiátrico a máquina de café é o centro das atenções. Não se percebe porquê. Mas também, que raio, há muita coisa incompreensível num lugar destes. E há outras demasiado claras, por vezes tão claras que ofuscam. É como na alegoria da caverna, quando o homem saiu da escuridão não podia ver. Não quer isto dizer que aqui se vê ou se deixa de ver a luz, mas apenas que muita da insanidade pode não ser. Ler mais

2014

Tenho a sensação que caí num mundo onírico desde que o ano começou. Há uma densa névoa ao meu redor há quase quatro dias. Tudo o que vejo são imagens esfumadas num constante ambiente cinzento pontuado por uma ou outra luz amareladas que parecem dançar em pequenos passos, como se fizessem pouco de mim e do mundo. Ler mais

A greve dos trabalhadores da CML à recolha do lixo

Alguém viu ou ouviu alguma notícia sobre a greve dos trabalhadores do município de Lisboa à recolha do lixo em que fossem claramente explicadas as razões que levaram estes trabalhadores à greve? Eu não vi. Admito que me poderá ter passado desapercebida, mas não vi, nem li, nem ouvi. Só na televisão vi umas sete ou oito peças. Dessas, apenas duas ou três referiam ao de leve que os trabalhadores estavam contra a descentralização de competências do município para as freguesias. Mas logo “explicavam” que António Costa garantiu que os trabalhadores não perderiam direitos e conservariam o seu vínculo por meio de lugares cativos no mapa de pessoal da Câmara. O que li e ouvi também não destoou desta linha. Ler mais

Palavras do ano

O André Albuquerque, neste mesmo blogue, chamava à atenção para a recriação da linguagem como forma de mascaramento do sistema e respectivas práticas políticas. Exemplificava com alguns conceitos. E é verdade. É uma terrível verdade. A utilização das palavras está no centro da batalha ideológica, ou, melhor dizendo, no centro da construção e da desconstrução das concepções do mundo, da humanidade, da sociedade, da história, da política. Os exemplos do André são, para muitos de nós, facilmente decifráveis (uns mais do que outros). O que não será tão facilmente entendível, e o André de certo modo abordava-o, é a desdramatização ou desvalorização do uso das palavras também como forma de manipulação das mentalidades. Ainda há poucos dias

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Memórias de infância: Angola, Cuba, Mandela

Lembro-me de quando cheguei a Portugal, em finais de 1982, a poucos dias de completar os meus oito anos, perguntar a toda a gente com quem é que estávamos em guerra, quem é que os portugueses combatiam. Estranhava a ideia de não viver mais num ambiente de conflito armado. Para mim o estado normal de existência era o da guerra. A guerra é uma dor continuada a que nos habituamos sem nunca deixar de doer, é como um frio que se entranha nos ossos e com que somos obrigados a conviver, e agora é para mim uma memória longínqua da qual sobressaem os episódios mais marcantes.
Não sei se o meu ódio de hoje a explosões tem alguma coisa a ver com memórias conscientes e acontecimentos esquecidos. O facto é que de cada vez que vejo e oiço notícias sobre bombardeamentos imagino-me como uma criança, num cenário de guerra, perdida e assustada com o ruído de explosões que ocupam todo o espaço, que ensurdecem, nos paralisam e nos impedem de gritar. Ler mais