Autor: Bruno Carvalho

Os órfãos da USAid

Como afirmou o detective Lester na série The Wire, se seguirmos a droga encontraremos agarrados e traficantes, mas se começarmos a seguir o dinheiro não sabemos onde vamos acabar. Em muitos países, se procurarmos de onde vem o financiamento de certas organizações da oposição, de partidos, meios de comunicação social e ONG é provável que acabemos em Washington. 

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Palestina. Quando resistir é existir.

Há dias, em Lisboa, um grupo de turistas altos, brancos e de olhos azuis insultou vários entregadores imigrantes da Glovo que levavam bandeiras da Palestina nas suas bicicletas momentos depois da concentração em solidariedade com o povo palestiniano. Uma amiga, chocada, testemunhou tudo e contou-me o episódio, ontem, durante o concerto de Omar Souleyman. O músico sírio que ganhou fama a cantar em casamentos gritou várias vezes Palestina para o público. Entre a multidão, havia bandeiras da Palestina e os aplausos subiam de tom, assim como os gritos a favor do povo palestiniano. Em determinado momento, alguém, com um olhar de ódio, e sobretudo de derrota, atravessou o mar de gente com a bandeira de Israel no ecrã do telemóvel e abandonou o concerto. Tão só como a bandeira de Israel no castelo de São Jorge, tão só como os que se concentraram fechados num hotel para legitimar o genocídio de um povo. No fim do espectáculo, foram muitos os que se juntaram aos donos das bandeiras palestinianas. Portugueses e imigrantes gritavam juntos. Não é estranho. Como afirmou Ghassan Kanafani, “a causa palestina não é apenas dos palestinos, é uma causa de todos os revolucionários, das massas oprimidas e exploradas de nossa era”. O escritor maior da causa da libertação da Palestina, que escreveu sobre o exílio forçado do seu povo, foi assassinado em 1972 por Israel em Beirute mas assim tem sido durante durante mais de meio século.

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Olas de Recuerdo

Foto: Bruno de Carvalho

Durante a noite, recebi a notícia da morte do comandante Iván Márquez. Entornei um pouco de rum num copo e bebi-o de um trago ao som de Julian Conrado. Lembrei-me daquela manhã em que os guerrilheiros se riram comigo. “Que raio de narcoguerrilha é esta sem álcool nem drogas?”

“Periodista, nosotros no producimos drogas. Cobramos impuestos a los que las producen. Aquí es prohibido consumir drogas y solo se puede tomar alcohol en celebraciones especiales”. A verdade é que não toquei numa gota de álcool naquele mês, em 2017, quando estive escondido com as FARC nas encostas da Sierra del Perijá. O processo de paz já tinha começado mas os principais comandantes diziam-me que era proibido o acesso permanente de jornalistas dentro dos acampamentos. Então, meteram-me no coração daquela cidade de ‘cambuches’, como chamavam às construções artesanais de barracas de madeira e tela, onde dormiam os guerrilheiros. Eu dormia numa tenda com um camuflado militar e todas as manhãs, sem falta, às cinco, um combatente, geralmente, o que estava de turno de guarda, ia de cambuche em cambuche simulando o chilrear de um pássaro para nos acordar a todos.

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Como foi criado o regime da Ucrânia

Há uma discussão permanente sobre se aquilo que aconteceu em Kiev em 2014 foi uma revolução ou um golpe apoiado pelos Estados Unidos e União Europeia. Nesse sentido, é útil regressar ao passado e esmiuçar alguns factos que levaram à conformação do actual regime ucraniano.

Comecemos lembrando que, durante a chamada Revolução Laranja, em 2004/2005, na Ucrânia, segundo o The Guardian, os partidos Democrata e Republicano, o National Democratic Institute, o Departamento de Estado, a USAid, a ONG Freedom House e o Open Society Institute gastaram cerca de 14 milhões de dólares a patrocinar essa tentativa de empurrar o país para a esfera ocidental. A estratégia foi bem sucedida. Viktor Yushchenko, candidato pró-Ocidente, ganhou as eleições presidenciais.

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Os esquecidos de Donbass

Em 2018, estive em Donetsk e Lugansk. Visitei orfanatos, hospitais, escolas e fábricas. Falei com mineiros, autarcas, reformados, crianças, professores, empresários e sindicalistas. Assisti às lágrimas de mulheres enlutadas e ouvi disparos de artilharia sobre zonas civis.

Choca-me que nunca ninguém tenha querido saber desta gente, desde jornalistas a governos, e de repente tenham descoberto que há um Acordo de Minsk porque a Rússia deixou de o reconhecer, quando a Ucrânia o violava diariamente desde o momento em que foi assinado. Esse acordo previa, no ponto 3, a descentralização administrativa da Ucrânia com um regime de governação local em Donetsk e Lugansk.

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Herói da classe trabalhadora

O campeão das fugas prisionais partiu no dia anual de homenagem aos partizans jugoslavos. Filho de um anarco-sindicalista, ganhou consciência política muito jovem. Um dos muitos homens que nunca tiveram direito a ser meninos dormia numa banheira com palha num estaleiro da construção no Barreiro. Tinha 14 anos quando aderiu ao PCP e 15 quando a PIDE o espancou pela primeira vez. Foi operário no Arsenal da Marinha. Fugiu três vezes da prisão: duas de Peniche e uma de Caxias. Levava o pseudónimo de Freitas e conduziu a operação de fuga de Agostinho Neto e Vasco Cabral de Portugal rumo a Tânger. Foi um dos responsáveis pela Acção Revolucionária Armada, estrutura do PCP para fazer frente ao fascismo e ao colonialismo português em território nacional com operações contra a NATO e infraestruturas e equipamentos militares. Foi deputado depois da revolução e tinha a idade do PCP.

Cem anos e mais um da existência de um revolucionário de corpo inteiro. Uma fortaleza humana que se confunde com a história do movimento operário no nosso país e com a história do único partido que sobreviveu, resistiu e venceu o fascismo. Mulheres e homens como Jaime Serra são o combustível da revolução. Da que foi e da que virá. Aquela que se constrói na luta de todos os dias.

Até sempre, camarada.

20 anos de terror no Médio Oriente

O maior ataque terrorista da história aconteceu em Hiroxima e Nagazaki, em Agosto de 1945, com a utilização de bombas nucleares contra a população civil de um país já derrotado. Essa é uma das páginas mais negras da história da humanidade. Os Estados Unidos provocaram cerca de 200 mil mortes em apenas dois dias. Não se trata de desvalorizar a tragédia de 11 de Setembro de 2001 mas antes de combater a narrativa mediática que tenta apontar os ataques em território norte-americano como o maior ataque terrorista da história.

O que faz dos ataques, que agora registam duas décadas, marcantes é terem acontecido em solo norte-americano e é terem espoletado consequências no curso da história dos últimos 20 anos. Não é preciso recorrer a teorias da conspiração para afirmar que os mesmos a quem se atribui os ataques foram financiados, treinados e armados pelos Estados Unidos. A Al-Qaeda teve o apoio da Casa Branca antes e depois dos ataques, em diversos cenários de guerra.

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O Afeganistão progressista que alguns tentam esquecer

Ninguém consegue ficar indiferente ao que se passa no Afeganistão mas sejamos claros. A tragédia não começou agora e também não começou há 20 anos. Se há quem ingenuamente possa pensar que a política norte-americana naquele país era o de garantir os direitos das mulheres, das minorias e dos trabalhadores está enganado. O único regime que garantiu direitos, liberdades e garantias para as afegãs e para a maioria trabalhadora foi assediado militarmente pelos mujahidins com o apoio de 4 mil sauditas, incluindo Osama Bin Laden, todos financiados, treinados e armados pelos Estados Unidos e pelo Paquistão. A organização e muitos dos homens que atacaram as Torres Gémeas a 11 de Setembro de 2001 são produto das escolhas de Washington.

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