A criançada só atrapalha. Razão tem aquela deputada israelita capaz de arrastar consigo os corações de todos os homens. Uma beleza tão europeia e delicada que é impossível não acreditar em tudo o que nos possa dizer Ayelet Shaked. As mães palestinianas devem ser assassinadas porque dão à luz pequenos répteis. As suas casas devem ser demolidas para deixarem de albergar terroristas. Não sei que efeito terão tido as suas palavras sobre os militares israelitas que esta tarde metralharam quatro crianças que jogavam futebol numa praia de Gaza. Mais um aborrecimento para os porta-vozes do único país que não tem regime no Médio Oriente. A única democracia da região teve de inventar uma desculpa para o acontecimento. Aos dóceis correspondentes estrangeiros bastou-lhes a razão apresentada: na praia, havia um contentor que era do Hamas. Não havia necessidade para tanto esforço. Se lhes dissessem que os chapéus-de-sol eram propriedade daquela organização, também servia.
Autor: Bruno Carvalho
FARC-EP: Meio século de resistência
Há 50 anos, um grupo de 46 homens e duas mulheres resistiram às vagas sucessivas de ataques de um exército formado por milhares de soldados apoiados por carros de combate, bombardeiros da força aérea e forças norte-americanas de elite. A operação militar ordenada pelo governo conservador de Guillermo León Valencia deu lugar à épica resistência de um punhado de camponeses cuja luta é hoje acompanhada por milhares de guerrilheiros em prol do progresso e da justiça social. O primeiro combate dá-se no dia que marca a criação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia: 27 de Maio de 1964. Sob o comando de Manuel Marulanda, Isaías Pardo e Jaime Guaracas, os combatentes conseguem superar o assédio militar e organizar em Julho desse mesmo ano uma conferência que produz um dos textos políticos fundamentais da resistência colombiana. No Programa Agrário, dirigido aos camponeses, operários, estudantes, artesãos e intelectuais revolucionários, dá-se conta da existência de um movimento insurgente, em quatro diferentes regiões, que, desde 1948, sofre a brutal repressão estatal e latifundiária.
Gostar de futebol não é alienação
Quando era puto, não havia muito que fazer. Enquanto os nossos pais e avós trabalhavam nas oficinas, na construção e nas fábricas, sobrava tempo para intermináveis jogos de futebol. As balizas do ringue não duraram muito. A partir desse dia passámos a usar pedras ou as próprias mochilas quando regressávamos da escola. Às vezes, quando entendíamos que tínhamos direito aos nossos mágicos duelos em campos mais apropriados, arriscávamos. Atravessávamos um descampado, onde nos duros tempos da heroína se injectava toda uma geração, fugíamos duma matilha de cães que guardava várias oficinas e saltávamos um muro que protegia o ringue de uma associação.
Mudam o rei espanhol para que nada mude
O ditador Francisco Franco preparou o jovem príncipe Juan Carlos para lhe suceder e garantir a manutenção do poder político e económico às classes dominantes. Quase sempre, as oligarquias sabem o que fazem. Os grandes grupos económicos e financeiros espanhóis foram os principais beneficiários da transição. Essa etapa histórica imposta por Madrid aos demais povos do Estado espanhol é, ainda hoje, elogiada pelos que criticam duramente os excessos da revolução portuguesa. Ali, placidamente, o ditador morreu na cama sem ser julgado e Juan Carlos assumiu as rédeas do Estado para alimentar com muitos cosméticos a nova realidade política. De facto, o poder económico manteve-se praticamente intacto e as instituições permaneceram sob controlo da órbita franquista: polícias, militares, juízes, professores, jornalistas, etc.
FARC-EP, 50 anos de resistência!
Neste dia, há meio século, um grupo de 46 homens e duas mulheres resistiam a um cerco militar montado pelo governo da oligarquia colombiana. Vagas sucessivas de ataques de um exército formado por milhares de soldados apoiados por carros de combate, bombardeiros da força aérea e forças norte-americanas de elite não conseguem derrotar o punhado de camponeses. Meses antes, a direcção do Partido Comunista Colombiano envia Jacobo Arenas, membro do Comité Central, para apoiar politicamente no terreno a pequena força insurgente. Marquetalia, o nome da povoação que alberga os combatentes, entra para a história da Colômbia. Em San Miguel, cai em combate um dos mais destacados resistentes, Isaias Pardo. Apesar disso, os 48 guerrilheiros não só rompem o cerco como conseguem sob o comando de Manuel Marulanda Vélez transformar o pequeno grupo na mais importante organização guerrilheira da América Latina.
Os mártires de Odessa
Há muitos anos atrás, não pude evitar as lágrimas quando vi o filme italiano Novecento. Numa das cenas, que retrata os anos 20, vários idosos aprendem a ler e a escrever numa escola promovida pelo Partido Comunista Italiano. Somos arrebatados pela alegria de quem entregou toda a sua vida ao trabalho no campo e vive agora de brilho nos olhos a aprender o que a burguesia sempre lhe havia negado. Até que a escola é engolida por um mar de chamas quando os fascistas lhe pegam fogo. Na tragédia, morrem carbonizados vários camponeses que ali estudavam. É nas ruas da vila que segue o rio de lágrimas dos que caminham na marcha fúnebre de lenço vermelho. Os restos mortais envoltos em panos vermelhos jazem numa carroça aberta para que das janelas se possa ver a obra do fascismo.
Parteiros da revolução
Há muros que se rompem de madrugada para que quando saia o sol se varra a sombra que tanto tempo viveu barricada nos corações de pedra. Então, ouve-se um rugido que abre veios na terra e rebenta um rio de gente que nasce nas fábricas e nos campos. Essas nascentes, donde durante quase cinco décadas brotou a dor de um povo que acabado de nascer já via no horizonte o ataúde em que havia lugar para corpos mas não para sonhos, matava-nos agora a sede de esperança.
Dean Reed, o Elvis vermelho.
Imaginem que um músico norte-americano de rock fazia uma digressão pela América Latina e se tornava fervoroso apoiante das lutas da classe trabalhadora. Imaginem que decidia viver na Alemanha mas do lado certo do muro. Imaginem que se tornava num dos maiores ícones culturais e mediáticos do Leste Europeu produzindo não só música mas também participando em filmes e escrevendo livros.