Autor: Lúcia Gomes

O Inferno é a barca e as suas timoneiras

Fazer um programa só com mulheres para afirmar as mulheres na política é uma ideia interessante. Mas depois faz-se um programa com a) o Nilton, b) aquelas convidadas. Faz-me, por um lado, ter vergonha alheia não por achar que serão elas a bitola com que se vai avaliar o papel da mulher na política (não me parece, ou pelo menos espero que não seja esse o efeito) mas porque na discussão dos temas tudo se faz com uma displicência, ignorância e desconhecimento que não faz sentido nenhum. Por outro lado preocupa-me, porque, sendo a ignorância uma atrevida, a verdade é que quando as afirmações passam sem que sejam contraditadas, transformam-se em verdades.

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Achas que valia alguma coisa dar a vida pelo país?

«J. – Achas que valia alguma coisa dar a vida pelo país?
L. – Hipoteticamente?
J. – Não, não, agora.
L. – Queres imolar-te ou assim?
J. – Ou uma greve de fome.
L. – Não, isso é parvo. Faz mais sentido continuares a fazer o que fazes. Vejo mais hipótese de transformação.
J. – Mas eu não me reconheço nisto. Não consigo. Não me reconheço nestas histórias. Não se pode viver assim».

Se isto fosse uma série ou um filme, agora existiria um plano de corte e voltávamos atrás na conversa. Este seria o teaser do episódio e agora o narrador e as protagonistas demonstravam como se chegou até aqui. Mas neste caso seria impossível porque levaria anos a explicar.

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Quando a banca esmaga os seus trabalhadores e o Estado assina a sua execução

“Já não aguento mais, não consigo. Tornei-me numa pessoa execrável, nem me reconheço. Acordo a meio da noite a chorar, tenho ataques de pânico, não durmo sem comprimidos! Nem sei como o meu marido me atura assim. Há dois anos. Acordo, levanto-me da cama e estatelo-me no chão.

Todos os dias entro ali, sorrio. De cada vez que o telefone toca acho que vai ser nesse momento. De cada vez que o meu director olha para mim, acho que me vai despedir. De cada vez que chama um de nós acho que vai ser despedido.

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A dívida de Passos Coelho à Segurança Social

“- Oh pá, o R. tem dívidas à Segurança Social!– É artista?
– Todos os meus amigos artistas têm dívidas à Segurança Social”.

 Todos os trabalhadores independentes foram notificados… menos Passos Coelho? E por que raio não fez a Segurança Social o que fez com todos os outros: a execução da dívida?

Este é um diálogo recorrente desde 2008, pelo menos. Não há trabalhador independente que não tenha sido notificado de dívidas à Segurança Social. Muitos ficaram com a vida penhorada. Adiante já me debruçarei sobre isto. Por agora, houve um que aparentemente não terá sido notificado: Passos Coelho.

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E se for: «proibida a entrada a pretos»?

Agora que já tenho a vossa atenção, gostaria de dizer duas ou três coisas sobre o assunto. A primeira vez que ouvi falar de uma barbearia que só atendia homens e cães pensei «ok, tá fixe». Mas a chave estava aqui: atendia.

Ao ler textos de gente despreocupada que escreve sobre moda e de repente usa o termo neomachista porque ficou de fora de um símbolo da cultura pop e não pode ir cortar o cabelo não sei bem onde acabei por não perceber exactamente do que se tratava.

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Somos todas as Covas da Moura

Entrei no bairro pela primeira vez. Com a sensação de estar a conhecer uma realidade bem diferente de tudo o que já conheci.

Fico em frente à varanda onde Jailza foi baleada. Vejo onde as carrinhas costumam – costumam – bloquear o bairro. Ele chega e conta o que aconteceu. Onde estava, como foi agarrado e o que lhe disseram. Todo o tempo apenas sou capaz de fazer um esgar de incredulidade.

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Até os mortos vão ao nosso lado

Vi-te num canto, num dia de chuva em Janeiro. No meio de tanta gente, estavas tu, recolhido, perto de uma janela onde pudesses fumar. Fixava-te porque me intrigavas. Não sei bem porquê, mas sentia que tinha que te falar. Assim foi. Falaste-me de Génova, de música clássica, de punk, do teu ofício de leitor, de dentes e de cães.

Desde esse dia que falámos sempre e sobre tudo. Estavas sempre perto, tu e a tua máquina fotográfica. Em todas as lutas, lá estavas tu. Nunca deixaste de ser assertivo e agressivo quando não concordavas. Não deixavas nada por dizer. Detestavas os amigos que não respeitassem a solidão e que não te fizessem companhia.

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