A Idade do Confinamento

Nessa noite sonhou com o mar. Quando acordou não se lembrava de como ali tinha chegado nem de por que razão estava sozinho, a nadar na imensidão nocturna de um oceano tranquilo, a milhas de qualquer rochedo ou batel. Só se lembrava de que nadou durante muito tempo, até perder as forças — e acordar. Tacteou a mesinha de cabeceira sobrelotada: os medicamentos para a ciática, o copo de água que os acompanham, um livro — a foleiríssima edição Europa-América do Mito de Édipo — e, finalmente, o fio do carregador cujo rasto o conduziu ao telemóvel. Ainda eram seis, não que isso importasse e, como o pequeno-almoço só chegava às sete, assim no silêncio se deixou ficar. As cumeeiras das rugas projectando sombras fundas na cara envelhecida, iluminada pelo clarão do ecrã sem mensagens, nem notificações, nem internet, nem rede, nem nada a não ser a data: 24/7. Fazia nesse dia três anos.

Ler mais

Não é festa, é luta!

André Ventura, uma das vozes da extrema-direita parlamentar, tem repetidamente referido a sessão solene a realizar na Assembleia da República no próximo dia 25 de Abril como uma “festa”, ridicularizando-a e procurando criar em quem o lê e ouve a ideia de uma espécie de arraial com bebidas à discrição na AR durante um período de confinamento decretado pela própria Assembleia, no quadro do chamado “Estado de Emergência”.

Ler mais

Aos jornalistas que não são cães-polícia

Gosto de escrever histórias de piratas, ladrões, bêbedos e revolucionários. Como as canções de Fabrizio de André. A minha primeira reportagem foi um fiasco. Queria fazer um trabalho sobre o jardineiro senegalês que matou o presidente da Junta de Freguesia da Pena com uma maceta. Falei com ele uma vez ao telefone e tentei que mo deixassem entrevistar na prisão. Não deixaram. Para todos os efeitos, a primeira reportagem que escrevi na vida, ainda estudante, foi sobre uma operação policial espanhola contra vários jovens independentistas galegos acusados de terrorismo. Quando estagiei na Agência Lusa, a primeira notícia foi sobre um ataque do Movimento para a Emancipação do Delta do Níger. Ler mais

O Observador está com medo de que o mercado «funcione»

Os apelos roçam o desespero. Chega a ser quase enternecedor. O Observador tem fulminado os leitores e visitantes da sua página com mensagens de consternação pela falta de assinaturas e consequente apelo à subscrição paga dos seus conteúdos. José Manuel Fernandes, quando não surge na página a assinar textos bolsonaristas, ou na versão radiofónica com laivos medievais, aparece assim com ar sereno e cândido, de gatinho abandonado, implorando a todos os santinhos que façam lá a subscriçãozinha do órgão que o alimenta. Não se percebe de que tem medo o Observador. Afinal, caros amigos, é só a justiça do mercado a funcionar. Afinal, todos sabemos que em cada falência há sempre uma nova oportunidade. Novos e mais fortes empreendimentos, mais adaptados e evoluídos, surgirão no seu lugar. José Manuel Fernandes e seus pares não devem fazer cara feia ao seu negro futuro de gestores falidos: têm de estar gratos e satisfeitos pelo facto nobre e valente de a sua falência poder vir a dar lugar a um empreendedorismo mais próspero e mais capaz! Ler mais

A Bola perdeu o Norte

A insatisfação e indignação que grassa na redação do Porto do jornal A Bola, por um processo enviesado no prisma geográfico, sem qualquer outra justificação que não fosse encerrar a redação a norte, mesmo quando a esmagadora maioria dos clubes da I e II Liga estão a norte do Mondego. Este documento expõe o tratamento desigual recebido pela redação do Porto por parte da administração do jornal A BOLA, no lay-off decretado na segunda-feira, dia 6 de abril. Ler mais

Rita, põe-te em guarda

Ao ler as partes que a Blitz cita do lamento de Rita apenas se evidencia o que é óbvio (é mais do que óbvio) no meio do entretenimento português. Seria meio cultural se existisse uma política cultural, algum eixo, alguma estrutura de criação e fruição que garantisse este direito fundamental a todos. Mas não, é sempre a lógica da festa, do amigo, do amigão que arranja o concerto ao amigão, que conhece um tipo com que estudou na faculdade que é produtor e amigo do presidente da câmara, do namorado que tem uma banda e são muito amigos do tipo da rádio que já os passou (e que não costumar passar ninguém), que por sua vez janta todas as semanas com o gajo da discoteca que é amicissímo e até já namorou com a miúda do programa da televisão cujo namorado novo é das relações pessoais do gabinete da ministra já desde que ela era vereadora. Ler mais

Leitura #4 – A I Guerra Mundial

Desde muito antes da Guerra que a Internacional alertava para a inevitável confrontação inter-imperialista que se avizinhava, e para o carácter dessa guerra. Com o eclodir da Guerra, a Internacional vai dividir-se, entre uma enorme maioria de Partidos que abandonam as posições de classe e se passam a várias formas de chauvinismo, e aqueles que, como Lénine, se mantém em posições Internacionalistas. Desta ruptura, consolidada posteriormente pela abordagem à revolução soviética e à ditadura do proletariado, nascerá a III Internacional, a Internacional Comunista. Ler mais